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A mostrar mensagens de agosto, 2007

Uivos

Senti o afago lento, demorado, das letras sob mim. Deitei-me num leito só meu, onde repousam lágrimas e sorrisos que tenho para dar. Que horas são? O sonho veio leve, tremeu um pouco e gemeu nos frios lençóis, já as palavras dormiam encostadas ao cheiro morno de um papel virgem, que luzes soluçam entre as árvores que as cingem? Devolve-me à noite, aos passos no escuro, ouve-me nos uivos do teu ser para que saibas, ou esqueças que no fundo dos meus olhos está vida, a morrer...

A sustentável leveza do não ser

Construo-te com tufos de vento, a tua casa é o vazio onde a vida é majestade, teu trono o infinito que descansa no horizonte. Estas palavras cansadas perderam a vontade. Quanto pesam duas lágrimas?

Perfume(i)

Abracei-te quando o tempo parou para descansar, os caminhos cruzavam-se nos sorrisos, os céus e as árvores dormiam à sombra de uma nuvem. Que toque é esse? Bailaram as partículas do teu manto quando acordaste, braços acenavam em despedida antes de chegares a lado algum. As contas do colar pendiam oscilantes no vazio, o cabelo afagava o vento e na palma da mão ficam as rugas depois dos rios secarem. Dá-me o ronronar dos teus portos de abrigo e soltarei as velas da minha ilusão, para que sintas o perfume das estrelas, comigo...

Vi(m)ver

Há determinadas coisas em que acreditamos que são como histórias subliminares em livros desconhecidos. O livro existe, mas a história em que acreditamos está acima do livro. Quando o mundo que vivo me sufoca e todos os caminhos parecem ser o início de uma íngreme montanha, eu paro, sento-me, pouso os cotovelos nos joelhos e a cabeça nas mãos. Fecho os olhos e vejo a vida como um longo caminho cujo fim parece estar sempre além da próxima curva. Nesse caminho sou uma nova pessoa a cada novo troço, olhando o chão com diferentes tipos de piso e com novas companhias a cada caminhada, mas sempre com as mesmas árvores, céu e nuvens. Vou percorrendo o caminho, esquecendo quem fui no troço anterior, lembrando-me de mim e de outros apenas em sonhos e se, por acaso do caminho, encontro quem fui, então esse eu transforma-se em mim mesmo eu, bem, eu vou percorrendo o caminho, na esperança de ser árvore, céu e nuvem simultaneamente. É tao bom viver vários troços ao longo do caminho e saber que t

Apelo

Enquanto a música embalava umas mãos vazias, meus olhos não te viam, sequer sentiam o prateado socalco da vida. Umas paredes sujas do respirar, bafientas e altas, suportando os ponteiros de um relógio hirto demais cujas horas não respeitavam. Há montes que nunca me escalaram, pernoitaram num quente forno humano, sucumbindo então à incerteza do caminho e um fumegante café, quase inodoro. Entre vírgulas e fogos existem nomes e abraços que se chamam pelo beijar. Sentes o apelo?

Areal

A luz pousava-te nas mãos ainda antes de seres dia, enquanto eu era noite os teus olhos eram como vida que me sorria. Tenho saudades de não ter, o encanto desmistificado da neblina sob o teu ser.

Papagaio de poemas

Saio fora do escritório, noto pela primeira vez que está um vento mais forte do que o usual. Habituo-me às condições atmosféricas pouco usuais para a época, principalmente quando a temperatura é mais baixa que o normal (eu e o frio...). Entro novamente no escritório, tinha-me esquecido do caderno onde escrevo alguns poemas. Ao ver-me entrar, o caderno entra em sobressalto, sabe que vou levá-lo comigo, agita-se tentando abrir-se sozinho. Pego nele e encosto-o a mim, acaricio-o, percorro os poucos metros até à porta e pouso-o na palma da minha mão. O vento abre-o e folheia-o, as folhas soltam-se do caderno e juntam-se no ar, formam um aglomerado de poemas, as rimas rimam-se e agarram-se às virgulas, os pontos-finais, em minoria face às reticências, unem-se e formam um desenho, um coração alado. O vento pegou nele com carinho, ergueu-o e convidou-me a voar... Segui pelo céu, a princípio com medo, os pés sentiram a liberdade das nuvens e eu nem me atrevi a abrir os olhos, porque é qua

Ao sabor de mim

Caminho ao sabor do caminho, o vento molda-me as rugas e as mãos, sempre as mãos, que se encolhem quando as tocam outras mãos que não tacteiam. O vento acalma-me o sorriso e ondula nos sonhos que trago presos por um trago de água sem sabor, como uma frase sem fim e frio sem frio, nos calmos serenos braços do amor.

Não vivas

Fecha-te aos olhos, olha a ténue brisa ondulante que segue firme, saboreia-te, tacteia a vida em golfadas de vidas, serpenteia em espiral rumo ao que foste quando não eras. Beija o inefável, exulta a calma e a placidez da tormenta, ruma à meta inatingível que acalenta. Sorri, transparece-te ao egocentrismo centrado em vão, adormece-te ao som do teu olhar na estrada, cala-te, deixa anoitecer o silêncio, solta as amaras que és, firma-te ao vazio dos onirismos que conduzem as estrelas, planta-te, sê das orquídeas as torgas mais belas. Some-te em ti, no espelho nu, pula agora que é noite e o Sol não sussurra, simplifica os grãos de areia do teu oásis deserto. Para! Que o lótus se abra em ti e a calmaria se abata, pintaste quadros oblíquos que ninguém vê. Não vivas, sê…

Rajadas de Inverno (Pastor)

Trago nas mãos as mãos e um cajado invisível, roço as pernas nas searas e as searas no sonho. O Sol guia-me os passos e os passos as sombras. Um sorrisso pende de outro sorriso e chama a vida, arde-me o odor da terra numa chama incolor chamada vadia. Corro sem andar, percorro os vales que nunca me viram ou conheceram-me pelo nome, sou apenas mais um Home'! Fustiga o Inverno em rajadas de solidão e bafos nocturnos, face rosada despida de mordaças, ondulações que moviam somente a mente. Sou-te aquilo que não vivi, adormeci ao luar da tristeza, abri-te as mãos e o mundo. Sonho, se o Outono vier e nas tuas mãos eu morrer, fecha-me a mão no cajado e deita-me sob um castanheiro estrelado, que sorriam de minha vitória do sonho sobre a dor. Escreve na alma meu nome, Pastor.