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A mostrar mensagens de maio, 2016

Retalhos omnipresentes da capicua

Crónica de domingo na Bird Magazine . Soçobro por entre a chuva e o sol, terra e ar. Que elemental e elementário se fracciona em dígitos que não sabemos decifrar, cifrar, digerir e aglutinar? A questão moraliza, porquanto de resposta nos faça encontrar em nós um pouco mais de self, crescer a consideração, decrescer a virtualização, destruição de imagens reflexivas e descobrir que o melhor de cada um está em si próprio e não no reflexo de uma imagem que julgamos ser ou, pior (?), no reflexo em nós daquilo que outros são sem o serem e sem o saberem... Sempre nós, sem nós que nos atem. Tens nas asas o despertador que fará acordar-te para a inevitabilidade do voo sincronizado entre o que és e o que te são. Os dedos intervêm quando a química obriga a trocar o horizonte pelo crepúsculo e troçar do futuro, a marca do que me visto tem traço onde os números não me medem, são coordenadas para as páginas e capítulos onde laureio obtenção da nudez com que tento vestir-me. Concluo o folhetim s

A ti leitor

Crónica de domingo, na Bird Magazine . O quotidiano pura e simplesmente não me chega para todos os dias que quero viver. De noite, preso apenas pelos fios que vão da pequena cruz de madeira a cada membro do meu corpo, deixo-me escapar até onde me permite a lei da física e, aí, a flutuar com olhos num dos universos que compõem o multiverso interior, suspiro com saudades de uma casa no futuro com alpendre de poeiras estelares e vista sobre o presente. Passageiro de um turbilhão, sabes leitor, ausculto as horas que passam com incontável curiosidade e de nada me socorro para te contar que nada te sei dizer ou opinar, eu gosto apenas de viver e, também, respirar. A manhã trará os primeiros pingos de luz, é com essa chuva que a noite em mim se reduz. Podia contar-te das subidas e descidas num só minuto de claridade, dos olhares olhados por detrás da retina, da admiração da simplicidade escondida atrás da cortina. Mas não, eu vou gastando a gravidade com os passos em torno de pal
Querida noite, do alvor à estrela, onde descansa o devaneio faz-me habitante do corpo que me rodeia, eu que nunca conheci o germinar de um pulsar, queria agora contigo falar.

Segredos

Crónica de domingo na Bird Magazine . Começo por procurar trechos já escritos, palavras engavetadas no fundo da prateleira para onde atiro muito do que fui e já nem me lembro ser. À flor ficam apenas algumas letras que penso saber de cor, mas é engano, meu e das dunas que se formam nas minhas mãos. O nevoeiro adensa-se com a recordação leve e frágil do momento actual. O que permanece é sempre aquele que se quer igual e, por isso, nada que se recorde nos instantes actuais pode ascender a ser eterno enquanto o infinito ainda não tiver nascido. Assim, porque nada é crónico, entro devagar pela folha branca, pouso as nuvens e o sextante, bato os pés no tapete enrugado e deixo-me cair ao vento como se uma nuvem me fosse amparar a queda ondulada. O café aquecido e as tostas a boiar por entre a espuma, do café e dos dias, enquanto o açúcar, deliciado, se deixa derreter lentamente, no café e na boca. Era capaz de viver para sempre assim. Perdão, era capaz de deixar a vida viver-se para semp

Amem

in Bird Magazine Vou ali, sem sair daqui, onde me desloco sem viajar, onde sou sem necessidade de estar, pelo simples prazer de me encontrar comigo mesmo e dizer: deixaste esvair um dia sem que apenas um e um só rápido segundo te ondulasse um sorriso na carne. Estou aqui, sem sair dali, para onde viajei sem me deslocar, onde estou com necessidade de ser. É por isto que admiro a tenacidade dos pastores, mesmo os sem cajado, capa ou rebanho. Quando já todas as luzes se apagaram, suas trindades reais que se ocidentalizaram, a ascensão de uma sofrida mãe e a morte de um artesão, restam os pastores como verdadeiros guardiões de um regresso, imaculado ou puritano. Perscrutando sob a pala do chapéu as faces e olhando com a sabedoria que só as noites estreladas lhes dão, quem sabe de onde virá novo burrico carregando dores de parir, puxado por um gaipirador que de mãos feitas de aparas alcofará um qualquer ninho onde possa nascer um, de muitos, que lhes diga, novamente, aos pastores, não

Mães

in Bird Magazine . O frio tinha ficado para trás e voltaria apenas quando, ao lume, as frieiras se lembrassem de arder por dentro, como o rubor de um amor que se ama porque não se sabe sentir outra coisa. As mãos sobre a roupa, para a frente e para trás, raspam o sumo do velho camisolão, que se esgota no tempo e no corpo de quem vai cobrindo dias com pedações de lã, no andar e no sentir. Vários invernos se solsticiavam, a sua voz embora falasse era muda, silenciada por quem a ouvia, mas nunca a escutava. Lembrava-se de vidas solteiras quando por entre a espuma do detergente surgiam pequenos tufos de claridade límpida onde o céu lá em cima espreitava e a relembrava mulher, com a madeixa de cabelo a cair sobre a fronte e a sensualidade ganha na recordação das ruas percorridas com luxúria inocente de quem não se sabe nobreza e raínha-se por entre os fins de tarde no caminho do tanque do fontanário para casa dos pais, invólucros esquecidos de apelidos de solteira. “Mãe, o que é o comer?”