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A mostrar mensagens de março, 2009

Serenata ao olhar teu.

Sabes que o olhar não é meu, nem o som dos dias que passas longe de ti e perto de mim. Sabes que o olhar não é meu, nem o braço que te agarrou à vida com a esperança da força de um sorriso, nem a tua presença cativa sem face outrora, conhecendo-a hoje em mim, sei-te aqui no peito, num infinito condensado numa hora. Sabes que o olhar não é meu, porque de mim os olhos são apenas o verde que reflecti dos prados onde sonhei encontrar-te, gemo com o ondular vagaroso e vago do tempo nas cearas, como se colher-te fosse tirar de mim mesmo a seiva, queimar o restolho que é o fim do dia ausente, desfalecer na vida para renascer em todas as paisagens que te vivam. Sabes que o olhar não é meu... Sou do tempo que viveste, guardando em mim rastos da tua presença, confundo o meu olhar com o teu respirar, para respirar com o ligeiro esgar que te sorri. Sabes que o olhar não é meu, porque sou teu.

Perante a morte alheia

Vejo-te na morte o corpo que sustem a recordação do que os olhos já não vêm. Pairando ainda no vazio que te preenche, soltas um grito que ouve o eco de quem te chora... Se te soubessem nuvem, serias céu e horizonte, ar que se traga pelos ventos passados, na ânsia de um futuro que te chega precoce, a fluidez dos dias nas noites que sucumbiram. Vejo-te na morte a alma, o sopro indivisível de cabelos que não ondulam, a cadência desmedida de um percurso inadiável, os ombros fortes de suster o mundo, as lágrimas que choram o cegar nublando o sorriso de te saber distante, longe, na esteira de uma estrela cadente.
Nascem-te pétalas onde chorou o tempo, assim são as flores do meu jardim, intemporais à Primavera para adormecerem para sempre no estio. Os teus olhos são da cor do meu olhar e preenchem os espaços que nunca explorei. Sacia-me a fome a sede que o calor vai beber às raízes do meu escrever.  Faço-o sem mim, rodeado pelas tuas pétalas ausculto os sentidos ainda antes de os sentires, para ouvir reverberar o eco que vejo no silêncio do teu cinzento. Amanhecem-te os dias ocultos quando te ressoam os passos órfãos de caminhos.  Quantas direcções em sentidos distintos?  A impenetrável barreira da tua solidão contrasta com o ressurgimento do ocaso.  Saberás por acaso quantas portas tem a noite?
Cubro os momentos daquilo que sou e parto para o imaginário que te habita. Tenho mãos e sonhos com os quais tacteio o chão que flutua sob mim. Não sou mais, nem menos, sou apenas um abraço e um olhar, um pequeno suspiro que anseia ser vento, uma tempestade que anseia um chão, um sorrir que anseia mãos e sonhos que o tacteiem. Tenho e sou umas quantas rimas que se escondem nas rugas do caminho. Escrevo como se os meus dias fossem brisas num solo seco e árido na fertilidade de uma carícia. Adormeço mil vezes, para mil vezes acordar do lado de lá da cortina e ver-me dormir, para me encontrar onde se perde a realidade, para retomar quando a noite termina com o que sou. Adormeço mil vezes, para mil vezes abraçar a vida e saber que ela, a vida, é parte de mim em ti... E a tua parte é o todo que sustenta o céu...
Cego aos poucos a capacidade de te olhar. O Sol que me entra pela escuridão do destino supera-se ao brilho que a tua Lua me traz à alma. Sei lá se é noite ou dia o momento em que os braços se rompem num abraço jamais saboreado! Ouço o silêncio que soluçou na tua silhueta, haverá voz para os que escrevem sem caneta? Sou aos poucos mais vagabundo e menos sombra, ilumina-me por momentos com aquilo que te ofusca, aquece-me as mãos com que seguro a minha vida, porque tenho medo de abrir os olhos e tu seres um vulto reflectido nas paredes da minha alma.
Pensei que dias sólidos em mim seriam intemporais, mas não, as tardes escorrem languidamente no meu regaço, entranham-se naquilo que penso serem os hiatos entre os meus sonhos, grudam migalhas de tempo no que tinha como infinito. Esqueço-me das mãos, das minhas, tacteio-as na esperança de me terem algures, entre os pós que se soltam do trabalho, escondendo os que me caíram das estrelas... Bate-me no peito uma angústia alegre, um pouco de fachada escorada, um cheiro de madeira velha, queimada, como são todas as madeiras que sustentam a vida com o mundo a tiracolo. Tento não esmorecer, trazer um pigarrear respirado, deixar-me ocultar pelos tempos que sei não existirem. Escondo-me atrás deste invólucro que me cresce desde que nasci... Há dias em que ter corpo vale uma tarde chuvosa, nos dias em que os meus olhos, cansados, perscrutam além do que vejo e é lá, atrás do que tenho, que me encontro. E, agora, vou procurar-me...
Tudo impecavelmente arrumado, odores e sabores dispostos nos escaparates do que sou, um ou outro olhar pousado ao canto do que cada um é. Olhas-me e perguntas, onde vais? Volto-me, olho-te e digo, estou a chegar. Frequentemente é assim, ter as malas prontas não para partir, mas para chegar. O meu destino sou eu mesmo, percorro o mundo ainda antes de sentir o apelo de partida, cruzava estrelas ainda antes de serem centelhas e será daí, desses momentos, quando o meu olhar se confundia com teu, que olho e vejo-me, reflectido, atrás de todo o horizonte que retens, não no olhar, mas na própria centelha que esmaece em ti, para nascer estrela, em mim...
O comboio e o olhar permaneciam ligados pelo vento. Nada une mais dois objectos que o vento. O olhar aproxima, constrói, convida e toca. O comboio leva o olhar, no olhar e ao olhar de outras paragens, transporta consigo o olhar sem ter olhar próprio. Mas o vento, o vento é o único que consegue fazer o olhar transportar o comboio, sem carris, sem rede, apenas com um olhar fugidio cujas agulhas o carril nunca tricotou. Se ao menos o vapor...
Vou contando horas desde que conheço o tempo. Por vezes, nada mais tenho a fazer que contar, confiante nos números que se seguem, convicto até nas imensas fracções que me vão subtraindo. Cansei-me de escrever sobre olhares, o recôndito de cada um de nós onde encontramos quem somos e de quem seremos. Os dias vão-se sucedendo, contando ou não as horas. Este comboio vai chuchugando a vapor, a paisagem é conhecida e mesmo assim o comboio avança a medo. Tenho fé que na curva seguinte apareça o meu apeadeiro... (um intervalo de algumas horas) Venho até aqui num movimento de esperança, sim, pode ser que esta seja a noite em que vou dormir... Já passaram quase duas semanas e o meu padrão de sono não se altera, continuo a dormir pouco, mal, em períodos curtos de tempo e o meu humor começa a escapar-me. Até já...