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A mostrar mensagens de abril, 2018

Em passos de gigante

"Em passos de gigante", a crónica de Domingo, na Bird Magazine .   Era dia 22 de Julho de 2007 e estava pacientemente à espera que chovesse. Por vezes é a única forma que encontro de tirar-me as memórias, porque os sonhos que estão no fundo de mim brotam quando chove, impelindo tudo o que esteja por cima deles. Está vento, o céu ameaça chover, brinca comigo, ouço música e procuro, desesperadamente, preencher todos os meus recantos com vida. Vejo os eucaliptos, as nuvens cinzentas atípicas de Verão, alguns telhados ao longe e nada mais. Sem chuva os sonhos não nascem e, assim sendo, as memórias não me vêm aos olhos. Consulto o meu caderno, o pequeno livro de memórias que muitas das vezes não são minhas. Encontro um ou outro episódio e tento vivê-lo novamente. Começo a ver-me percorrer as estradas de Valpaços, percorrer freguesias como Lameirão, Vassal, Rio Bom, Alto de Penalva, Argemil, Argeriz, Possacos, Fornos do Pinhal, Vilarandelo, com um mapa na mão e a tentar perceber

Pessach

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“Pessach” Crónica do Nada , no Correio do Porto . O puto abana-se uno com a sineta que trina, o braço cansado pende como um ramo seco de árvore que sonha ser galho, anunciando vem aí o compasso!, a opa alva dança e as nuvens riem-se quando o vento lhe atira o resto da brancura pelas costas acima, embrulhando-se na cabeça. Não se demove, continua a badalar num esforço contínuo apenas vencido pela zelosa missão de, além de adolescente, ver chegar ao fim a madrugada procissão, solitária, a cruz acima e abaixo de caminhos, os verdes ao chão, as flores na mão, de cara fechada, uma madeixa dourada rivaliza com o sino zonzo já de tanta sacudidela firme. O vento desiste soturnamente, as nuvens deixam de joeirar a cena e dispersam num certo tom de desprezo, a opa solta-se e cai harmoniosamente sobre as costas arqueadas, mas não sucumbidas, tudo sem que o sino deixasse de tocar. A solenidade foi-se perdendo, sobra agora uma espécie de desejo que tudo termine e possa seguir viagem, arrancar um

Fractal

“Fractal”, crónica de Domingo, na Bird Magazine . O avião sacode-se como se libertasse das camadas pressurizadas da atmosfera, essa amálgama de gases que se deixa abater sob a gravidade. Ser-se ar não será certamente fácil. Aliás, ar nem é ar, sabemos lá o que respiramos? Somos sôfregos como qualquer animal embezerrado, a necessidade de acolhimento em úberes, a marrada ritmada num ventre e o sorver desregrado do leite ou ar. Mas não somos só leite, nem ar, aliás, o ar nem é ar, o leite nem é leite, o ar é uma mistura, uma composição de vários gases, sei lá qual deles respiro neste momento?! E eu? Uma mistura, um amarrotado molecular a que a minha consciência se constrita, e por me saber partido apesar de unido, sorvo todas as partículas de ar ou de outros compostos, de forma a que no meio deste emaranhado de fractais e meias medidas ou meias coisas, eu me consiga almejar inteiro, ou coisa. Deve ser da pressão, das sacudidelas ou da ténue curva que vislumbro no horizonte, o degradien
Não me faltes aos passos, o caminho e a vereda, o linho e a seda, não, não me faltes ao caminho de volta a mim, o caminhar agreste no inominável, a cratera chamada dia e o que o silêncio nos ensina, a vida é uma palma de mão sem sina, o arfar seguro, a fenda no muro, o parágrafo sem respirar, o abraço que fica por dar, não, não me faltes aos passos porque não sei voar…