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A mostrar mensagens de fevereiro, 2021

Soçobro

“Soçobro”, crónica no Canal N, para ler aqui ou aqui . Badala-se o sino, a liga metálica repercutindo no ar gélido da manhã transmontana as ondas sonoras de um lamento. Sabemo-lo dia de luto pelo número de toques, o braço firme retesado que firma e puxa o arame, contrai e relaxa o arame. Viver é um ir e vir.  Algures, entre labutas agrícolas, um ancião retira a boina negra, leva o joelho ao chão bolboso, negro e humidamente fértil, e convida ¬– rezemos um Pai-Nosso por este irmão que partiu – e lestamente, no respeito que merece o fim de uma existência terrena para a partida que se quer serena, os restantes lavradores ajoelham-se e guiados pelo mais velho, o que sabe os toques e repiques, aquele da sábia palavra final, como pontuação sensível no final de qualquer diálogo serrano, concluem a oração, solenemente, pacatamente, sabendo que o tempo é de quem o sabe deixar passar de encontro à sua própria existência. No adro, o musgo, as ervas e as flores crescem entre as frestas das pedras

À boleia do Sol

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“À boleia do Sol”, crónica para ler no Correio do Porto , na secção Crónicas do Nada. O cemitério aglomera-se de silhuetas difusas que o Sol, errante em meses de Inverno, projecta no chão nesta a que chamam morada eterna. Local de silêncio, porque o amor não faz barulho, resgata à saudade o cuidado com que familiares, amigos ou curiosos, há gostos para tudo, relembram, dependendo da distância da marca lapidada no amarelecido metal á actual, a partida sem regresso visível.  O portão esverdeado de musgo que teima em crescer até aonde está a vida a morrer, vê-se atravessado, enquanto aberto e de sinaléctica covidiana ornamentado, por senhoras de diversas idades num movimento pendular temporal. Cavaleiras medievais de vassoura e balde armadas, avental padronizado, ei-las guardiãs de um partido, talvez amado, asseando campas.  Há misto de dor e resignação, alívio e compaixão quando prostram o joelho no chão durante o asseio às lajes de granito que vêem passar os tempos sobre o tempo que dor