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A mostrar mensagens de julho, 2017

Em cinzas deitado.

Crónica na Bird Magazine , a 30/07/2017. De aparição em surgimento, sem que se negue o sentimento, muito há a fazer para que da vontade se passe ao culto. No entanto, quando a vida procrastina os planos de alguém, nada mais parece haver a fazer do que subir os degraus de um santuário com maior ou menor custo. Por isso, encosto-me à parede ensombrada que o Sol permite e aprecio a paisagem como quem se enamora por um jardim. O Santuário ainda não transpira, mas eu sim. Percorro os corredores de mármore, faço por não olhar para o chão, evitando ler os nomes de quem quer que tenha sido sepultado ali. Não pela falta de respeito, sabe-se a pessoa ausente dali, mas porque ninguém, tridimensionalizado ou não, merece o seu nome lido olhando para baixo. As promessas estão enroladas em papel alvo, uns pautados, outros quadriculados, dependendo talvez da tendência linguística ou matemática de cada pedinte ou, parece-me o mais lógico, porque qualquer papel é bom para escrever num português esqu
Pouso a sombra das minhas mãos ergo o calor da tarde e brindo ao gradiente nublado onde orbita a solidão. Não me queime assaz a vida, aprendo no vento que passa e sopro longe a ondulação, esqueça-me o tempo invoque aos sentidos a fome, escreva-me às dunas do tempo a invisibilidade pois não sei meu nome...
No céu de tílias há infusão de peregrinas fés, içam-se manhãs milenares nas escadarias onde descendo se subia saboreando-se as tardes à sombra de um Sol que sorria, urge a noite que me acorda e eu, adormecido, rasgo o horizonte semeando apenas com o olhar o futuro que ausculto, não me desenho, vivo, à vontade do que me tremeluz saúdo, inebriado, de peito arado e cego o tríplice soar matinal. Em nenhum deles te nego.
As virtudes dos sentidos na ascensão embrutecida do sol encimado pede ausência de luz, aqui já nada seduz. As azinheiras adormecem à sombra das pessoas cinzentas, amortalhadas pelo vazio esbatido, um pouco de nada nas vestes encardido. Ribomba a noite em girândolas gulosas, o meu peito infla e entumecem-me os olhos, as estrelas tremeluzem talvez saudosas (minto-me) dos meus sonhos.

Quase tudo de todos

Crónica de domingo, na Bird Magazine . A que lado da vida se encosta a tarde? Percorrerão os passos o caminho que os olhos tentaram adivinhar? Teríamos imensos destinos num simples sulco na mão? A que lado de mim se encosta a interrogação? Ardem-me os olhos e, no entanto, vejo como se fosse já amanhã e todas as urgências se resumissem a um final de tarde numa sombra, onde trinam jovens casais enamorados e o passado não surja escamoteado de saudade.  Que farei eu às palavras que não conseguirei proferir porque me embola a boca com o ar pesado que sai dos pensamentos da multidão que se aglomera à entrada do abismo?  A cada passo ergo a Lua e a cada curva o calor da noite nas pedras da tarde aquece-me o imaginar.  Por vezes, sou quase pessoa. Na ascensão do que julgamos impoluto, há uma miríade de perpendicularidades que se destinam a fazer-nos angulares, sem uma aresta imperfeita, coisas que a matemática nos faz sem necessidade, pois seremos já uma conta perfeita, à procura da

Translação instantânea

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Crónica do Nada , para ler no Correio do Porto . Durmo baixinho, entro no sono sem que ele se aperceba, encontro à minha espera um longo caminho que me levará ao meu verdadeiro útero. Vou voltar por entre pétalas, em poesia que floriu sem que de mim nascessem flores ou mãos. Emudecido caminho até ao acordar, triste por saber que mesmo não glorificando a dor, há algures aqui um verso a doer, talvez por isso passe anos a ver os dias passarem.  O corrupio e sucessão de voltas e subidas e descidas do Sol e o quanto isso afecta as pessoas assoberba-me.  Continuo a ficar encantado e surpreendido com as nuvens, raios de trovão com duração de longos segundos, pequenos rios de chuva com pepitas de granizo, persistentes a boiar na correnteza, caruma e terra solta com saudade de água, fazem subir ao palato aromas de terra, molhada, paciência e persistência que parecem inundar Trás-os-Montes. Vou lavando a cara com as memórias de paisagens que se fazem correntes.  Para mim, um dia duraria

Sentidos cinco sentidos, proibidamente fragmentados

Crónica fragmentada, um domingo inteiro, na Bird Magazine . I Tento perceber em que lado de mim quer a vida que eu viva. Se pelo saltitar pardalesco de nuvem em nuvem, se pelo nebular saltitado de pardal em pardal. Aqui já nem vive o bem, nem se amortalha o mal.  Quando a vida tenta perceber de que lado vivo, respondo-lhe no calado grito do que escrevo, a vida se vive em mim habita no horizonte que construo a cada piscar de olhos, não há lugar para dimensões quando o infinito é da cor do universo que finda. Há tempo, ainda? II Tenho que esperar que o futuro adormeça, para só aí poder tirar-lhe da fronte, em silêncio, a madeixa que se cola à sua vida e o faz pensar ser algo a ter.  Ganha o futuro e eu, calado, à espera que acorde e eu possa fingir dormir à revelia da rotação sobre um despossuído eixo. Translado-me e por aqui me deixo. III Agora que o dia ausenta as sombras vítreas que me nebulam, saio no vaguear da noite optando-me vagabundo, sem amaras que não a própria vida

Trovão

Crónica de Domingo, na Bird Magazine . Começou com as nuvens negras a ofuscarem a luminosidade da tarde, abrigado que estou do calor, do Sol e da vida durante os meses quentes, pareceu-me bom augúrio. Começo a olhar para o relógio e a forçar a passagem dos minutos, mas tudo tem o seu tempo, até o próprio tempo. A tarde começa a cair triste e soturna, os grandes flocos cinzentos parecem empurrar os alvos para bem lá do Marão, onde mandarão os de bom coração. Aqui começam a surgir os mais escuros, um cinza azulado negro saboreado, a cor que lhes dou quando me prometem aguaceiros por meio dos bafientos dias de Verão. De repente o vento aparece a correr, abana as montras, assobia de excitação, empurra portas entreabertas (não queremos cá indecisões, “ou abertas ou fechadas!”, diz-me ele, apressado), sacode os cabelos dos transeuntes, fá-los apertar a parca e veraneada roupa ao corpo. Quando vai já longe, perdendo um pouco mais de tempo a enrodilhar uma bandeira desfraldada, ouço o ribom

Cloud-icando

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Crónica no Correio do Porto , secção Crónicas do Nada . O frio vai surgindo, deixa-se cair como um lençol invisível pelas costas. Arrepio-me. Por momentos penso que é já de manhã. Os dias têm adormecido cansados, pudera, vou deixando-os ao abandono, desterrados, para me entreter sentado no topo de um qualquer monte (hoje escolho o Gerês), fechando as mãos e soprando para elas, para depois as abrir e moldar umas quantas nuvens. Fazem-me cócegas nas palmas das mãos, rodopiam por momentos, com os olhitos entreabertos a mirarem-me sem saberem muito bem o que fazer. Acrescento-lhes um pouco de azul que deixo cair dos olhos, moldo-as um pouco mais, ergo as mãos para um ponto cardeal a gosto (ultimamente, Norte) e sopro as nuvens, que vão subindo e crescendo rapidamente, sorrindo quando o vento as leva para lá de onde eu consigo alcançar, aumentando quando alguns cristais se aglomeram para as verem passar e, desprevenidos, se deixam apanhar neste algodão doce gigante. Quantas nuven
De um reflexo trazendo-me pela mão os sonhos  em vão as paredes alvas descem do céu ao chão, o calor abafa-me a noite fria no afago e murmuro sem auscultar ou conhecer  este eu que pela mão trago.