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A mostrar mensagens de dezembro, 2018

Natal ou se Deus assim me quiser

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Crónica do Nada, sobre o "Natal ou se Deus assim me quiser", para ler no Correio do Porto, aqui . A porta do bar do móvel da sala abre-se, o cheiro característico emana e preenche-me o horizonte das memórias. O Natal podia ser apenas isto, abrir a porta com as suas quadrículas envidraçadas, deixando ver os pequenos panos rendados e bordados que pendem das prateleiras onde velhas tachas enferrujadas sustêm o tempo. Mas mais do que o tilintar dos copos ou da velha garrafa de rótulo personalizado, onde se degusta o valor que a mesma custou, o rendado branco apazigua-me o que me habita. Fecho a porta do bar, a televisão lamuria-se das notícias trágicas, entre uma ou outra golfada comenta-se o destino. Eis o meu desatino. O domingo, tal como a vida, segue o seu curso. Caminho na tarde curta ao encontro de um Sol tímido, espreitando, ele e eu, por entre as nuvens cinzentamente coloridas, hoje mais espartanas abrindo caminho ao frio que se precipita. Afinal é Natal e traz-me cons

Recebe-o. é tudo o que tenho

“Recebe-o. é tudo o que tenho”, crónica na Bird Magazine, para ler aqui . Obrigo-me a desligar o rádio, o silêncio súbito orvalha a noite e ascende à abóbada escura que encima o horizonte. Quanto mais o circense barulho me veste no dia, mais a noite se acomete ao meu regaço, passando-me a mão pelo ombro e convidando-me a erguer o meu zénite. A estrada e seus afluentes, os quais rapidamente perscruto enquanto conduzo, descoloriram-me a íris. Por entre um outro minuto, uma saca de dióspiros coroa a tarde na sua indumentária real e um desejo sincero de felizes festas traduz ainda o que sobra da natividade. O desenfreado galopar movendo pernas apressadas, aprisionadas, percorrem galerias que vendem tudo o que não preciso. Talvez por tudo não querer, tudo me saiba a ter o nada que tanta falta me faz, a inexistente alva veste, cujos padrões coloro com dedos finos, rechonchudos, gretados e infantis, que já não possuo. Aguardo as vésperas da véspera do Teu aniversário. Tal como criança, olha

Feito cão

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Eu "feito cão" em Crónica do Nada, no Correio do Porto, aqui . Há cães feitos gente, reviram lixo.  Assentes nas patas traseiras, abocanham as sacas de lixo que, ao infalível olfacto deles, lhes parece ter algo de alimentar.  Não que os cães saibam o que é alimentação, roda dos alimentos, caviar ou bacalhau, fastfood ou food propriamente dita.  Eles, cães, têm o seu sentido de preservação, que não inclui obviamente desviarem-se de grandes veículos em movimento ou de certas e determinadas pessoas, os desumanos, mas é este sentido de preservação do seu canídeo corpo que lhes faz percorrer distâncias até encontrar um aleatório maná.  São eles gente, despojada, transportando nos olhos ainda sonhos, seja em forma de roda gigante a abocanhar, seja no símbolo universal do osso, branco, cheiinho de tutano.  De cabeça baixa, vejo-os mastigar o plástico, a roer cartão da caixa da pizza, e depois imagino-os rindo sorrateiramente, enquanto a noite se espreguiça pelo dia fora, a de

Outono multiplicado

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“Outono multiplicado”, mais uma crónica do Nada, no Correio do Porto, aqui . Av. Marechal Gomes da Costa, Porto, uma cidade num qualquer desígnio Outonal que não nos pende das tonalidades com que estas árvores imponentes (qualquer árvore é imponente, o Homem é apenas indiferente) urdem a paisagem. Não sei o que me atrai mais, se o brilho oponente e invisível do orgulho com que as árvores ainda seguram algumas das suas folhas, se o desamparado abraço com que umas boas décadas de gente seguram um outro corpo desengonçado, se pelo vício, se por doença, não o sei. Apenas o seu íntimo, se por um acaso calhar, hoje em dia raro, de o seu, o íntimo, ser coisa transparente e dotada de honestidade, o saberá. Ele e Deus, que tudo sabe (e por isso me apazigua, nesta e em qualquer rua). Pára uma e outra ambulância, Amarante, Felgueiras e outras proveniências, distantes demais para a proximidade desejada de quem se vê agarrado a uma incapacidade, momentânea ou permanente. Os piscas vão trazendo

Podes entrar

"Podes entrar" na Crónica de Domingo na Bird Magazine. Os domingos colorem-se, na ausência das vicissitudes profissionais, pessoais e existenciais, de vários sonhos que me alimentam desde que, bem, desde que me conheço.  Podes entrar. Convido-te a afastares o portão, feito de cordas bamboleantes, que servem apenas para assinalar o local onde começa a privacidade. Construí-o há énios, entre vi(n)das e partidas, como o sítio onde começa a vi(n)da e termina a ausência.  Vais encontrar um pequeno caminho, aqui e ali com pedras toscas no chão, mas na essência feito com gravilha, cascalho e alguns pedaços de pele de crianças que se atropelam enquanto tentam voar como borboletas.  Não te sei dizer como vim aqui parar, talvez pelo cansaço e aventura. És bem vindo(a), traz-te e também os teus sonhos.  Escolhe um local, escava um caminho, acomoda-te e faz de ti o que sabes ser, não o que te ensinaram, mas o que aprendeste.  O caminho segue por entre clareiras e para por moment