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O ser é ser-se, ainda que não se seja, talvez, pela falta de conhecimento sobre o desconhecido que se É.

Poesia na Garganta (30-06-2018)

Texto publicado para o evento "Poesia na Garganta", no dia 30-06-2018, na Garganta do Salto (Aguiar de Sousa), no Parque das Serras do Porto. Vejo o local, o salto, como uma metáfora entre o salto para o vazio, o despertar para uma natureza física e moral, no respeito do que é pelo simples acto de se ser como é, tal como a fé. Assim, criei este texto que é apenas a minha visão, o despertar que surgiu pelo homem correr atrás dos seus medos, saltando com a ajuda animal, que nunca nos quer mal, para um vazio onde a natureza nos acolhe, assistindo entristecida ao nosso esquecimento de civilização em civilização e permanecendo imóvel, como a garganta do Salto, a assistir aos desvarios mundanos, na esperança que, metaforicamente, possamos dar novo salto de encontro a nós mesmos. Garganta (09-06-2018) Apenas o borbulhar pachorrento da água, às cambalhotas por entre os godos, fazia o dia correr de um lado para o outro, coisa sábia de se fazer, daqui para ali, dali para aqui, a...

Entre Paredes

Texto para momento/evento em Paredes (declamação de Fernando Soares). Entre paredes, o que nos segura? O tempo em tudo perdura. Nas raízes de um abraço na natureza rendida a um românico ascendido. A paisagem envidraçada do tudo que nunca esteve perdido. Os degraus cambaleiam enquanto ascendemos, jovens, moldados pelos nós que em nós nos identificam. Dominámos montes, vales, escarpas, o passado vislumbrado num momento, o quanto de cada um se transforma monumento. No ouro cravamos o trilho, minando o leito de um mundo. Entre os braços boleados e aplainados cabe um conselho, cabe um segundo. O Sol inclina-se e debulha-se, há caminhos a percorrer de olhos cerrados, cumes, arquivoltas voltadas ao íntimo de um reduto. Aqui, cada um é de si mesmo fruto. O sorriso amassa-se numa regueifa, a romaria traz da fé a sua ceifa, o bastão caminha o romeiro, o céu suspira-se o dia inteiro, arfando-se ao abismo, inspirando-se ao misticismo. Um harmónio escuta-se a cada dedilhar nas paredes do pat...

Asilo do conhecimento, num mundo de loucura

Texto incluído no " P rojecto P oesia& M usica e m l ugares p ouco R ecomendaveis" para o Arquivo Municipal de Penafiel. Engavetamos a liberdade na escolha de sermos presos. Primeiro os mais antigos, classificados por inutilidade, agrilhoados aos sentidos até não sentirem mais, eles, os sagrados, os profanos e os imbecis, a nós iguais. Os sussurros que ouvimos são memórias distantes, um tempo que, relativamente a ontem, veio já antes. O bater firme do metal ao fundo da gaveta, o sorriso papiresco e a morte esgrafiada pelo gume de uma baioneta. Já nada sucumbe, porque nada vive ou habita, em nós, em vós, nesta modorra maldita, neste silêncio que faz companhia aos mundos sós. Arquivado, o saber ocupa o lugar vago, o estorvo de uma vida com saber amargo. Caberemos ainda no dossier amarelecido onde suaves dedos nos moldam e pincelam os medos? De quando em vez, o olhar furtivo para dentro de um livro, o pousar terno e ameno de quem nos conserva, o calor humano sobre a rememo...
Fito-o mais uma vez, mestre Torga, a lombada amarelada de um livro branco sujo, como a neve que se derrete cansada de ser alva.  Não permito que o sono me tombe sem, antes, talhar na retina com a mesma paciência do meu velho Garrinchas o caminho de volta para a terra.  A cacofonia da ausência de verde vai-se desfazendo à medida que ondulo montes abaixo até uma encosta de simplicidade me permitir escutar o bater do bordão nas pedras gastas por serem caminho de ninguém.  Quando este mundo me começa a fechar os olhos, faço-lhe a vontade, estico o braço ao frio o essencial apenas para alcançar o interruptor e, sereno, adormeço corpo e tosse na certeza de estar quase a acordar.

Feliz Natal

No regaço ameno da família, onde se soltam as máscaras, que te brilhe o interior adormecido e te sintas, também, deus menino. Recebe o calor da simplicidade nos braços abertos ao que és, escuta o silêncio que se apodera desta noite em bicos de pés. E se o universo te escuta e na voz encontras solução, saibas que em todo o estranho habita um irmão. Que te brinde e aconchegue o meu pedido, desembrulhado, para que a saúde te vista, a paz seja a tua conquista e embora humilde, atiro os desejos ao ar para que se precipitem em ti, mesmo sem nevar. Feliz Natal. Miguel
Soçobro com a pacatez da ausência, cada um de nós essencial na essência. Os caminhos onde me escondo percorrem-me como se a cada curva latejada fosse possível emergir o bojador, logo a mim, que nem em qual das mãos perdi a cor.
Vem agora a noite, pela calada do abraço, desfolhar-me o frio com que a lua me rescaldou. Ardem as chamas porque lhe regam as labaredas e adormecem as estrelas, com as luzes acesas.
Na forja gélida da circunferência não florescem paixões, esbatem-se galeões nas rochosas ondas de uma maré, enquanto milenares árvores infinitas observam, tristes, quem as quer mortas, de pé.
Não fosse o relógio, pensaria estar acordado amanhã quando na verdade durmo ainda no hoje. Penso ser quase como o sentir antecipado do morno abraço ainda longe vem o corpo. Não fosse o calendário, pensaria que o tempo é tão irreal quanto de real é o tempo que passou por aqui e me deu corda ao relógio. Estamos onde agora? Entre ponteiros titubeantes com medo de se deterem num minuto? Num segundo? Num primeiro?
O moinho peneira a água que a levada aprisiona, choveram dias até que me sentei no reflexo do grão enfarinhado, meti a mão na algibeira e tirei mais duas, ou seriam três?, vidas de quietude. Andam por aí a verem-me amiúde, é sem intenção, desculpem, é a distração ao postigo chamado silêncio.
Cobre-me o brilho das estrelas de ambos os hemisférios. Fico enternecido pelas estrelas cadentes que o universo atira, para que as conte e, assim, adormeça. Mas na insónia encontro o desprendido destino que se senta a meu lado na cama, fita-me e sorri, somos caminhantes da ignorância por sabermos longe o saber e aqui tão perto um Sol, a nascer.
Todas as cores possuem um final de tarde que se agarra às escarpas sulcadas nas faces. Quando a Lua mergulha pelos olhos dentro e me sorri, não sei o que faço. Sorrio de volta? Dou-lhe um abraço?
Choveu, mas não chegou para me afundar os pés na terra molhada. Da próxima vez desço do muro e deixo-me cair com tal força que a terra não terá outra solução que adoptar os passos inertes, enraizar-me e transformar-me numa hortênsia, preferencialmente voltado para o Atlântico.
Caia-me a noite, para que mesmo por entre as sombras das noites, mônadas se divirtam na criação de divindades a quem o dia matizará de cegueira e sobre, no final do cheiro de terra molhada, o aroma a uma casa vazia caiada. E aí eu me vista, de nada.

Destino

Caro destino, tu vais chovendo na tentativa de me animar, obrigado. Por entre aguaceiros sou brindado com gestos de amor e simpatia, falta apenas o arco-íris. Assim, cara vida, desenlaça o novelo e tricoteia-me breve nos caminhos viajouros que me têm levado ao encontro e descoberta de mim, sempre nos olhares de com quem me cruzo.
Belisco o grão de areia e acordo a praia.  Espreguiça-se sem alardo, assim são as adultilidades da vida, gente que se faz pessoa porque cresceu antes de nascer.  Um dia beliscar-me-á o sorriso e eu farei de conta que o entendo e, ignorante, entrarei água acima.
Vai no resvalo do pensamento rochoso o segredo da encardida mão, a mesma que enterra no recém arado solo e de seguida vai ao peito.  Poderá o coração bater ritmado pelo silêncio que sobe à alma e sentir-se vivo porque não se sente?
Querida noite, do alvor à estrela, onde descansa o devaneio faz-me habitante do corpo que me rodeia, eu que nunca conheci o germinar de um pulsar, queria agora contigo falar.
Agora que o tempo se converte em matéria, energizo o que de alma resta e emigro para duas oitavas acima ou para qualquer frequência que aceite o meu silêncio.