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A mostrar mensagens de outubro, 2005

(I) O chapéu

Há qualquer coisa de estranho com este tempo, com esta chuva... Está tanto vento que alguns galhos dos pinheiros caem, batendo nas janelas e na porta... Na porta... Já mais do que uma vez caem dos pinheiros e batem... Olho para o meu lado direito e assusto-me, entra uma criança, muito jovem, talvez 9 anos, e fica a olhar para mim, com olhos traquinas, sorriso de esguelha e pequenino, com a mão direita apoiada na porta, chapéu vermelho, típico de lavrador, camisola de malha amarela e um nome bordado a linha vermelha: "Sonho"... Sonho... Que raio de nome... As calças parecem feitas de um tecido similar à serapilheira e os pés tinham umas botas toscas, velhas, nas quais adivinho um buraco na sola... Nas costas trazia uma sacola, espécie de pasta, parecia feita de couro, "muito" castanha, sem fivelas a apertar, tinha apenas um arame grosso e meio ferrugento... Tirou a mão da porta e foi andando até se sentar a meu lado, na cadeira vazia. Enquanto se aproximava, deu

O puto do Pai Natal...

Reparei nele ainda não tinha estacionado o carro... O parque de estacionamento estava quase vazio, coisa normal para um dia de semana, início de tarde e perto do final do mês... Uma carrinha recolhia o dinheiro da caixa multibanco e foi quando o vi, a saltar de um lado para o outro. Tinha cabelo louro, idade a aparentar 12 anos, nariz ranhoso, cara suja, uma camisola azul clara que lhe realçava os olhos igualmente azuis, calças de ganga cor "azul muito gasto e badalhoco".. A minha reacção, à medida que ia buscar o carrinho de compras, foi de alheamento, "se fizer de conta que não estou aqui" (com o meu 1,90 mt é fácil) ele não me pede moeda. Mas ele, com aquele olhar traquina, soube de antemão que de mim não levava nada e nem me abordou... Entrei no Lidl e andei por lá às compras (como é possível ser tão barato... hum... a qualidade dos produtos não deve ser a mesma de outros locais...), não resiste e parei na secção dos chocolates, recolhendo um... Na caixa vi qu

Carlos Drumond de Andrade

"A cada dia que vivo, mais me convenço que o desperdício da vida está no amor que não damos, nas forças que não usamos, na prudência egoísta que nada arrisca, e que esquivando-se do sofrimento perdemos também a nossa felicidade." (Carlos Drummond de Andrade)

Estrias na alma

Quando me ouram os sentidos já eu não sou eu, solto um pouco de calor e demência, pouco de algo e muito de perdido... Vários são os vultos que me estriam a alma, mordazmente, na voz e olhar de outros me atiçam um lume gélido, que destrói e não mata... Rodopio em mim, sobre um caderno de memórias e uma caneta partida, vestida de tinta, quebrada e não partida. Agora, antes que meus olhos esqueçam as trevas, eu salto em frente à vida parando-a, afagando-a, e firmemente atiro: "sei que querias, mas não a levas!"

Enquanto a vida te rodeia

Quantos anos caíram, enquanto dormia pela vida ultrapassando tempos, aniquilando quem de mim bebia, quantos seriam? O calor na face rosada, da cor do mel quando de mim se ultrapasse e, por fim, cansada de respirar se deixe esmaecer no fino gume desta folha que se faz papel... Cavalgam pelos anos descansando quando de si escolhe a vida, caída, pendente dos secos ramos frágeis, canos de gente que respira, ou fustiga, quando o bafo quente da garra o prende à força do mar conta as ondas em algazarra. A vida escreve-se em suores perdidos, em corpos acometidos pelas convulsões de viver, aos poucos, presos a ilusões e medos... E são estes os tão horrendos segredos? Enquanto rodas sobre ti, dormindo na cama receosa, um mundo invisível que tu respiras dá lugar ao som, beija à Lua a mão que cora e sorri. A compaixão fugaz, o gesto solene que de ti nada faz, a escrita ténue, quase só, que ainda persiste enquanto descanso... Tu não és, apenas r

Quando não eram pequenos

Eram pequenos, sorriam por entre as gotas do orvalho e, também, acenava quando eu passava pela sombra dos carvalho... Na mochila pendia um sonho, caíam de si para o mundo, um vazio que é ser e não estar, estar e não esmaecer...

Código de ética dos índios Norte-Americanos

Levanta-te com o Sol para orar. Ora sozinho. Ora com frequência. O Grande Espírito escutar-te-á, se ao menos falares. Sê tolerante com aqueles que estão perdidos no caminho. A ignorância, o convencimento, a raiva, o ciúme e a avareza, originam-se de uma alma perdida. Ora para que eles encontrem o caminho do Grande Espírito. Procura conhecer-te por ti próprio. Não permitas que outros façam o teu caminho por ti. É a tua estrada e somente tua. Outros podem andar ao teu lado, mas ninguém pode andar por ti. Trata os convidados no teu lar com muita consideração. Serve-lhes o melhor alimento, a melhor cama e trata-os com respeito e honra. Não tomes o que não é teu. Seja de uma pessoa, da comunidade, da natureza, ou da cultura. Se não foi ganho nem foi dado, não é teu. Respeita todas as coisas que foram colocadas sobre a Terra. Sejam elas pessoas, plantas ou animais. Respeita os pensamentos, desejos e palavras das pessoas. Nunca interrompas os outros nem ridicularizas, nem rudemente os

Oração Celta

Que jamais, em tempo algum, o teu coração acalante ódio. Que o canto da maturidade jamais asfixie a tua criança interior. Que o teu sorriso seja sempre verdadeiro. Que as perdas do teu caminho sejam sempre encaradas como lições de vida. Que a musica seja tua companheira de momentos secretos contigo mesmo. Que os teus momentos de amor contenham a magia de tua alma eterna em cada beijo. Que os teus olhos sejam dois sóis olhando a luz da vida em cada amanhecer. Que cada dia seja um novo recomeço, onde tua alma dance na luz. Que em cada passo teu fiquem marcas luminosas da tua passagem em cada coração. Que em cada amigo o teu coração faça festa, que celebre o canto da amizade profunda que liga as almas afins. Que nos teus momentos de solidão e cansaço, esteja sempre presente no teu coração a lembrança de que tudo passa e se transforma, quando a alma é grande e generosa. Que o teu coração voe contente nas asas da espiritualidade consciente, para que tu percebas a ternura invisíve

Passadeira dos sorrisos

O tempo chuvoso arrasta consigo muitos e muitos sorrisos... A maior parte das vezes só é necessário saber onde procurar, saber puxá-los às tenebrosas sombras que envolvem as pessoas... E eles estão logo ali, ao virar de cada esquina, na pessoa que espera, à chuva, uma oportunidade para atravessar a estrada, com chinelos (daqueles negros, que se compravam na feira, típico das mulheres do campo), os pés molhados, olhos semicerrados devido à chuva que fustiga, que magoa. Páro o carro, levanto a mão esquerda fazendo sinal para a senhora passar e eis um sorriso! Um sorriso que rompe o negro dos pensamentos perdidos... E mais à frente, outro sorriso e outro e outro! Estão lá, à espera que eu passe por eles e os convide a bailar nos meus olhos... Por vezes páro para alguém passar, mas apenas depois compreendo que é um vulto, que não me vê, que não se vê, e sigo viagem... Os putos correm e fogem da chuva, abrigam-se uns aos outros, com pesos de conhecimento às costas, com sorrisos matreiros

Pensador russo

Tese de um pensador russo que, no início do século passado, já falava em auto-conhecimento e na importância de se saber viver. Dizia ele: "Uma boa vida tem como base o sentido do que queremos para nós em cada momento e daquilo que, realmente, vale como principal." Assim sendo, ele traçou 20 regras de vida que foram colocadas em destaque no Instituto Francês de Ansiedade e Stress, em Paris. Dizem os "experts" em comportamento que quem já consegue assimilar 10 delas, com certeza aprendeu a viver com qualidade interna. Ei-las: 1. Faz pausas de dez minutos a cada duas horas de trabalho, no máximo. Repete essas pausas na vida diária e pensa em ti, analisando as tuas atitudes. 2. Aprende a dizer não sem te sentires culpado ou achares que magoaste. Querer agradar a todos é um desgaste enorme. 3. Planeia o teu dia, sim, mas deixa sempre um bom espaço para o improviso, consciente de que nem tudo depende de ti. 4. Concentra-te apenas

Pela manhã

Eu estava em pé, ao balcão, rindo-me baixinho dos velhos que jogavam damas, em torneios mais que a honra, de vontade de viver.  Pelo canto do olho vi-o chegar, a bicicleta maior que ele, que o obrigou a parar junto do passeio, encostar a bicicleta e pousar um pé (o direito), alçando a perna para trás, por cima do assento, e ficar em pé, meio ofegante, meio ausente.  Segui-lhe os passos, entrou no café descendo os dois degraus, com um olhar mais ausente ainda.  Andava como se o ar que respirasse fosse diferente de quanto em cima da bicicleta, na sua nave.  Ao chegar ao balcão tirou a carteira, abriu-a (o som do velcro fez-me arrepiar) e ficou à espera que o atendessem.  Era a Maria, a revista, que queria, e pagou-a com uma moeda que não vi.  O olhar quase nunca saiu do chão, mesmo para receber o troco.  O chapéu tapava-lhe o cabelo claro, sujo, espesso, que caía sobre os ombros, numa camisola gasta e suja e esta morria nas calças de ganga, russas, gastas e sujas também.  O olha