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A mostrar mensagens de setembro, 2013
Anos em minutos, uma existência de hiatos e chãos encardidos, sinos que cambaleiam melancolicamente e trovejam badaladas, pela atmosfera conspurcada da cidade, cansadas de serem tempo. É cansada que esta locomotiva empurra o ar à sua frente, vai cheia e, talvez por isso, sussurra a espaços a sua triste sina num monocórdico monólogo demente entre o frio ferroso carril e a electricidade que a encima, vai só, febril.
O frio do Outono na primeira chuva da alvorada, do travo agridoce do abandono a um Verão de vida desperdiçada. Estes transportes que descarregam animalescas formas de ser os abraços, um tímido beijo, o caminho isolado por entre uma cidade que ignora os degraus sujos desta estação, esta escadaria que ascende teima, enfim, em descer. Para onde vão estes transeuntes? Que motivo e motivação dilacera um amontoado de corpos semi vivos a que chamam multidão? E a mim, semi humano, que multidão de corpo amontoado me leva amortalhado às flores dispersas neste desterro espartano a que chamam jardim?
Fazem-me companhia as sombras, gosto de as ver entaiparem o que sobra de um dia, não se esquivam as esquinas rombas ou o pedaço de chuva que ornamenta esta galeria. Ouço os rumores do fim de um dia de trabalho, recortes, avulsos, farrapos, gente, naipes de uma só cor que parto e baralho, uma janela que traz um calor abafado, este vazio prenhe de uma voz demente. Prefiro, sim, as sombras, um eco que se estende ao tecto da gare, a surpresa de um fim de tarde chuvoso e as nuvens opacas que a noite vai parindo entre o alvoraçado de um sol nervoso e a lua que iço,  sorrindo.
Diluo-me pelo teu esquecimento, o nada da minha memória é, agora, o orvalho das minhas manhãs, não teria já palavras ou índices que assinalassem algumas esperanças vãs, já nem o barulho, nada, apenas pó e cimento. Vou descansar, descansado, sem corpos nem velório em catadupa derramado, o rio corre por entre rostos e em soluços gente no peito, esta vida tem caudal, mas já não tem leito.
Sei o barulho que o autocarro fará quando parar, conheço de cor os sons dos pneus sobre as tampas assíncronas no pavimento. A voz sintetizada da menina que anuncia as paragens, as mudanças de zona, o zumbido que os auriculares vomitam para fora dos ouvidos, o gemido cansado das portas a abrirem. Não conhecia a voz de alguém que pedia, a uma paragem completamente cheia, do fundo de uma cadeira de rodas: "alguém me pode ajudar a subir a rampa para o autocarro?". Começo a acreditar que, talvez, o som que penso conhecer seja apenas o rugido lento do fundo do tacho a que chamam vida onde nos fazem condimento e estrugido.
A vida, de vida propriamente dita, pouco tem. Paga-se a vida, em vez de a viver. Entrega-se tudo a este bicho nojento e grande, a um sistema que de protector tem muito pouco, quotiza-se a vida, muito cara, sem retribuição alguma e, se um dia ensolarado te faz diferente, o contribuinte encarregar-se-à de te olhar, aterrorizado, porque a liberdade de se ser voador atemoriza. Flutua o teu caminho, sem que te deixes atrasar pelos teus passos arrastados.
Não chegaste a completar um parágrafo, apenas uma pausa breve como uma vírgula e tão prolongada como uma reticência infinita. Talvez por isso, sem saber bem como te escrever, me sinta impelido a procurar nos olhos de outros como tu, as palavras avulsas que se aglomerem em frases. No entanto, parece-me, do pouco que vislumbro ou compreendo, que não te escrevo porque as palavras utilizam letras, grafias estranhas, cuja imaginação constrói unindo imaginariamente as estrelas do céu.
Vou brincando com o mundo na palma da mão, rolando como se um berlinde fosse, enquanto não o solto por aí e, correndo, me vá divertir vendo-lhe as voltas e baldrocas, até me lembrar de saltar para ele, só para me sentir gente novamente.
Meios para fins. Se quem se encontra no fim, terá tempo para o meio? Ou o fim, de nada valeu pelos meios, por isso mesmo se terminou. Ali. No fim.
Perdi as palavras por 6 minutos apenas, a diferença entre cair no sono e sonhar reside na imensa capacidade que o tempo tem de dormir e descansar, porquanto me saiba o quotidiano a figura inacabada permaneço prisioneiro entre a vida e nada. O rumor dos passos nesta gare estéril oblitera o próprio relógio, é rumor de ausente tempo e gente febril, é saber já o ali o infinito e ter por viver, aqui à frente, dias mil.
Pudesse o meu silêncio ser de ouro e no meio de todo o valor comprar o mundo por preço algum. Eis o que valho, dia e meio de labor e uma merenda, para chegar ao conforto de uma noite fria e ter no céu negro e estrelado a verdadeira oferenda.
Acabaram-se os ferros forjados e a vegetação rasteira que se agarrava aos meus passos, longínqua a voz de um passado ou um abraço, porque são já poucas as histórias que repousam no meu regaço. Longe, bem longe, amanhã talvez onde estou agora, pela tarde que já é tarde as palavras que espasmo e se vão, cabisbaixas, embora. A direcção parece-me turva, o Sol põe-se no meu retrovisor sem olvidar que todo o ocado precede dor, e toda a recta termina em curva. Ouço os risos e os medos e todos os sons que flutuam como cinzas, o meu corpo não tem rugas, tem frisos por onde escoaram incógnitos uma mão cheia de poemas e segredos. Onde me leva a vida eu que a sei não existir, que passos nestas ruas sem nome que vultos nestes corpos sem fome é do mundo que me separo e do seu ego avaro retornando à casa que me viu nascer eu, ironicamente, que me sei nunca morrer.