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A mostrar mensagens de setembro, 2005

Do que voltou

Deixei que a noite lhe cravasse as garras, o impugnasse secretamente ao som de um carrossel abandonado, um café borbulhante que suga estas penetrantes amaras… Despedi-me dele, infinitamente, após o espelho me avisar da triste figura que ostentava solenemente… O olhar raiada era triste, desamparado pelos sorrisos, de longínquos amigos, agarrados apenas à noite que abraçou o dia, para não morrer quando este fosse, pela última vez, nascer… Quantas rugas e histórias, lágrimas e memórias, em tons de cinzento e violeta, em sons de uma baioneta rombuda e gasta, que se despede: “hasta!” A corja voltou, descendo dos céus inferiores em urros sujos e delatores, em frondes altaneiras da ebriedade que voltou… Gasta-o vida aos olhos do sorriso que partiu, o corpo que o sustenta e alimenta, pede à alma que o atiça e aos soluços do parto, que o acaricie e dignifique, que o esquarteje e mortifique… Oh noite, esses teus amigos inquietos são filhos de quem?

O facto do nada

Isto não é poesia, de facto não é nada que minhas mãos possam tecer… É uma dor fininha que cala o silêncio, transmuta a ilusão em folhas negras de jornal, isto não é o bem nem tão pouco o mal… As rugas na caneta que escreve o destino, em longo traço fino, são pedras e sombras molhadas, fruto do ventre podre de turvas águas passadas… Mesmo o cerrar dos olhos na claridade artificial, ou na noite, é tudo igual, não traz por si os sonhos, mas sim fantasmas enormes irreais, medonhos…

Ser onde não estar...

Soltaram-se, na calada da noite, os espinhos que soluçam e me pertencem sem serem meus... Estão e não são... O vento que me trouxe ao encontro de ti, caneta, é o mesmo que deambula como um açoite, que baila no luar nascente da noite, das trevas do dia... É o oceano do sorriso, o toque morno de carne fria, a canção que teima em morrer nos lábios de quem, ou alguém, que não sabe ainda nascer... As mesas que ornamentam, ou alimentam, as mãos que se unem e aliam aos sorrisos, valem mais que meros suspiros das lágrimas que suam, que caem e esmaecem, matizam as minhas, que crescem... A bela e o senão... O peito e a mão... São os anos que vindimam a idade e a jogam, como crianças, para longe da memória bem dentro das entranhas da minha história... Percorro-te, talvez pela última vez, encandeado pelo negro véu que assola e entorpece a razão. O amor e a dor estão prostrados na minha fria mão. Que não morram, também, em lento torpor e cândido ar

Um desenho da alma

Olharam e partiram, sem querer que o mundo as possa ver... São fartas nas tuas cartas, delirantes em almas erradas. Espartanas como falsas filigranas, doentes como sãos dementes... Assim são os olhares que me devoram, que nas campânulas moram... Tangível, mas fugidio, o destino vai correndo atrás de mim, ansioso e frutuoso, tentar encontrar-se ainda antes do fim. Como é amargo o soçobrar dos meus braços, o odor da tinta que estupra e pinta, que me dói e não finda... Inibidor, o elogio do feitiço cobre-me de saudade se tenta acalmar as chamas que atiço, mas é brando o lume ou orvalho, é sereno e mortiço. Refugia-se no aperto de mão, no olhar compreensivo da sinceridade de um amigo, que de frágeis papéis gastos, sujos, velhos e mudos, faz de um poema vivido, talvez sentido, um desenho da alma que trago comigo. Deitas-te agora, sobre as palavras que gasto sem sentido, mas sentidas, há um vulto que se aproxima de mim... Fim?

Vivendo sucumbindo

(Há muito, muito tempo atrás... Perdi a data deste poema, mas é bonito vê-lo agora com outros olhos, sentir a energia que dela emana e pensar: "já estiveste assim"...) Chovem a meus pés as longas tranças de força descomunal, amputam cada membro que sustenta o tronco como se fossem mais um sonho. As pálpebras pesam, quem sabe não desejarão os olhos sucumbir, puxando para eles o manto que os cobre e escondendo-se da imagem que o vento traz no irreal Não sei se inspiro ou força o vento sua entrada no meu corpo. A vida abandona-me e leva para longe os telhados de xisto prostrando no meu peito este teatro que assisto. Desenrola-se o caminho em mim e sulca a estrada debaixo desta matéria inerte, mas eu quero estar parado, permanecer calado, ser um apêndice da vida a quem os outros chamam sina e esperar que o mundo se renda. Caiam as armas defronte à apatia elevando-se o Sol que envergonhado se pôs fugindo da noite que a imaginação supôs. Porque foge a pai

Boa noite

Boa noite. Aparece sempre, a qualquer hora, a meu lado dizendo: "Boa noite!" Já deveria estar habituado, há tantos anos. Com outras vozes e rostos, mas sempre o mesmo "Boa noite!", seja dia ou efectivamente noite. Sorri a meu lado, faz uma cara de espanto quando ponho um ou outro poema no blog. "Uau, tanta coisa, é tudo teu?" E eu respondo que não, que são todos emprestados, que são chaves para portas que não querem ser abertas. Hoje, neste preciso momento e disse-me: "Acabou a brincadeira rapaz, tens que escrever..." Eu mando em mim, por enquanto, e com olhos de sono digo "talvez amanhã... hoje estou cansado..."

Vitrina embaciada pelo fumo do cigarro

Desilude-me o cruel, entre carumas que fintam o vento onde passam raios de um Sol esmaecido cai o pólen dos ecos perdidos do viver. A luminosidade que vagueia é espontânea, própria dos envidraçados redentores de sonhos que lutam contra o embaciado da tua voz… Um pássaro negro calca um ramo e sorri antropomorficamente, são os vasos que latejam canais onde corre o líquido injector do sorrir, que dedos frios estes do vulto, que sede de carregar com uma nuvem e fazer chover, que ânsia de implodir omnipresentemente e sucumbir, morrer… Heras, galhos e outros tais que amam o tronco, sobem e sugam seiva, amam e correm vadios pelo passado. Rodeiam-nos asas e ruídos sons e tépidos olhares embevecidos, são os que ondulam intemporalmente aqueles a quem chamam mendigos. Unanimidade em multi tons, raças distintas do solver em matizes que gorgolejam numa encruzilhada, meias palavras que falam ou cantam o que sente a madrugada. Quadrículas escritas a vermelho indagand

Vielas

Caminho para um deserto, é um pilar num ermo da existência onde cai quem se indaga, talvez o frio límpido da demência libertado do fumo ardente de uma saga. Pé ante pé, em passos rápidos omnipresentes, calcando um futuro no retorno do sonho, são rastos de voos errantes por uma multidão que não sabe o que é. Mostra-me a porta, será por aí que sai o tempo? Quem tem medo do linear declive do pensamento? As esquinas onde dobra a calçada no granítico sujo, frio, da manhã são locais onde não cabe o amor que um pobre mendigo me dá…

O dia seguinte

Espreito, ansioso, o dia seguinte. A tela móvel acompanha-me na jornada onde sou actor e realizo, cada sequência é dejá-vu que saboreio como se fosse o mais sublime requinte, mas as imagens que vêm beber a água dos meus olhos pregam-me partidas, socam-me com sonhos futuros que vivi e olhares meus nos olhos de outros e outras. Agora questiono à vida que realizei, Quem sou?

Noite solitária

A maior parte dos poemas que coloco são fruto de um caminho, são pequenas pedras num rio, que me ajudaram a saltitar de margem em margem à procura de caminhos internos... Não os esqueço e pedem-me eles, agora, que os traga à luz do dia. Sabes, a dor que me imobiliza é amor, é puro-sangue que voa sobre a planície, e o respirar ofegante da noite faz as searas, ao seu sabor, ondular, mas se o choro que me acomete purga a certeza da existência porque devo eu morrer em cada dia que véu é este que me expõe à demência? Mergulho no olhar morno e meigo, o reflexo é meu e do espelho partido, o sorriso que exibe o Sol esvaiu-se no ocaso em respostas não perguntadas pela fibra do tecido o u vestes que cobrem o fino e frágil sofrer… Sabes, que palavras são estas que tentam sorrir? Pode a imensidão da noite a solidão sentir se está ela em todo o espaço circundante, se é ela, ai minha noite, tudo a jusante mesmo quando em pleno dia as estrelas teimam em cair...

De quem não conheci

Invoco a saudade da face de quem não conheci na presença da sombra, saboreio a ausência de um sorriso que não vivi, a mescla de emoções no vazio da noite entre vagas de ondas, serenas, e bandeiras desfraldadas num barco de velas amenas. Os passos que graduam o quotidiano inexistente vagueiam entre fronteiras reais, imaginárias, no ondular pacato da imaginação entre veredas de olhares que não vislumbrando o invisível rasgam a despedida que precede a solidão.

Feições

Abandono-te na lama, meu velho corpo entorpecido nas feições, de uma alma que ama um ideal morto...

A chuva ao som da noite (reticências)

Começo a estabelecer um horário próprio, certo, e sento-me em frente ao computador, com o teclado sobre as pernas, abro o Word, aumento o zoom para 130% e relaxo na cadeira… A inspiração já cá estava à espera, sentada, paciente… Hoje tenho chuva e só não a consigo ouvir melhor devido ao barulho do computador a funcionar… Abençoada chuva! Permite andar por aí, com o vidro aberto, abotoando o casaco e sorrindo, como só quem gosta da chuva sorri… À noite as paisagens são mais curiosas e os seres que encontramos também, aves raras como as que encontro são difíceis de ver… Apenas uma coisa me entristece, as árvores que se curvam sobre mim à medida que passo, à medida que as ilumino com os faróis, o castanho, negro e dourado da paisagem queimada, o sufoco das suas lamurias, dos seus choros, da sua morte lenta… Já ninguém fala nos incêndios, nas vítimas, nas perdas materiais, a preocupação reside apenas na recuperação psicológica de alguém cujo salário de um mês permitiria reconstruir a vi

A magia do mundo pelos olhos das crianças

O dia amanheceu com chuva. Na verdade, a chuva já lhe entrava pelas entranhas à medida que o Sol invisivelmente se levanta sobre as nuvens… Acordei a meio da noite, cerca das 4:00, com a melodia da água a cair na terra seca e o compasso mais ou menos ritmado das grossas gotas que caiam das telhas do alpendre… Agora foi-se a chuva, ficaram estas nuvens escuras, cinzentas, que me devolvem a serenidade e o tempo frio, que tanta falta me faz… Ouço Carlos Paredes, só o mestre faz sentido nestas manhãs das primeiras chuvas… Paro um pouco para o escutar, gosto de apurar o ouvido e saborear a respiração dele por entre uma ou outra nota… Isto, Isabel Silvestre ou “Everybody pays” do Mark Knopfler… Tenho saudades de ser mais baixo que os arbustos, de entrar de rompante pelo monte dentro e ficar todo molhado, sentir o frio da água com os ramos destes meus amigos que me abraçam… Lembro-me de sorver a água que ficava sobre o portão de casa… Quando se é criança tudo é magia, inocência, amizade,

Os sorrisos meus, agora que fora de criança sou...

Quanto valerá um sorriso? Dou por mim a pensar num preço, numa medida qualquer palpável, concreta, daquelas que estão padronizadas, mas não encontro medida ou valor… O quanto custará sorrir? Vamos lá ver se é desta que eu vou escrevendo… Domingo foi dia de passeio – convívio. Há muito combinado, o convívio das marchas populares teve lugar no domingo a um sítio apelativo: Srª da Boa Morte… Posso ter 30 anos, quase, quase, mas estes passeios colocam-me com 9 ou 10 anos. Quando entro na camioneta e olho aquelas faces, com mais rugas, mais velhas, mas iguais ainda, sinto-me regressar no tempo, como se fosse possível, e vejo-me a percorrer a pé o caminho da escola para casa… Agora posso andar a pé, no mesmo caminho, mas os sorrisos não são mais os meus, nem as pessoas o são… Novas caras chegaram, velhas caras partiram… Voltando ao passeio… Entrar na camioneta (de Alpendorada – mais recordações…) e ver aquelas caras, olhar com sinal de respeito, eu sem estes olhares não sou nada, ou se

Vida

Diz-me vida, que queres que faça? Roubas o ar que respiro, partes os vidros onde me encontro, sujas com lama e sangue estes meus sonhos que são, afinal, um não distante retiro… Não me deixas chorar, lágrimas saltam sem medo e toldam-me, não é só a visão, é o exprimir. Transformas o sorriso em pedra e o júbilo de falar num torpor, um movimento desconexo dos lábios que não te beijam, gritam, arfam, respirando muco que em meus pulmões arde, queima o meu ser com infinita dor. Aqui me tens, prostrado a teus pés, Corta minha cabeça assim como fazes ao sorriso, tens coragem? Coitada de ti, vida, que nada mais és que uma vazia miragem… Salta de mim a fúria escondida e ri-se de ti, de tuas tramas e encruzilhadas, da figura que criaste com suor e saliva, julgavas tu que me moldavas? Vences-me, desvias de mim o sentido, o rumo da rosa dos ventos, o cabelo que descai a meus olhos e me fecha o pensamento. Mas continuo aqui, penso em ti, tento entrar nessa