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A mostrar mensagens de setembro, 2015
Do meu caminho, só meu, vejo passar por mim todas as paisagens que um dia pintei na carteira da escola, ao som abafado do lápis sobre a madeira enrugada.  O papel, alvo, sai-me das mãos como se todo o menos que me veste sobejasse em encadernações que carrego no braçado.  Hoje espero que chova e não, não estarei abrigado.

A última poda

Crónica de domingo na Bird Magazine . O tempo invariavelmente colhe de nós próprios aquilo que semeou, tenhamos frutos ou folhagem descolorida pelo errático Outono, somos sempre sacudidos na volta do equinócio para deixarmos cair aquilo que fomos ventando ao longo das nossas próprias estações. Confesso que a redacção de um punhado de letras me tolda a vista, pelas nuvens que descem nesta manhã e se confundem por entre o milho seco, o castanheiro, a figueira e as próprias pessoas. A própria manhã parece sentir frio, ao encostar-se a mim na procura de um calor que não transporto. Para cada época há um tempo, colher e semear, rir e chorar, dualizar neste mundo polarizado, ainda, onde vamos lavrando os dias como se deles dependesse o arado, coitados, sem saberem que a terra é dela mesma e o arado tem costas largas para a guerrilha a que lhe tentam impor. Gasto linhas na descrição do indescritível, na esperança que ao escorrer o pensamento se assomem as ideias e os dedos ganhem o habit
Recolho os montículos do que me cai aparas de um dia entre as vidências quem se sofria o abraçar das ausências que se escorre colada aos lábios como água fria. Calço-me do chão nu gelado onde contei as noites lavadas salgadas de um peito nascido cru vago passo finado onde não cabem os grãos que semeio, nem as minhas mãos... Nem as minhas mãos.

Escreverícia

Crónica de domingo na Bird Magazine . Começo parado, ouço-as inquietas, afocinham por entre as minhas pernas, sacudo-as como se isso esmorecesse a vontade sôfrega que sentem de arrebanhar. Por fim, lá para o início, a vontade pare-se e ainda que vá a medo por desconhecer o caminho e o destino, calcorreio meia dúzia de pés e atolo-me outra meia dúzia deixando para trás crateras do tamanho daquilo que meteorei. Apoio-me num muro o suficiente para ele não cair para o lado de lá da leira, o xisto afiado pelo passar do tempo traz-me a recordação de telhados onde sob os quais me abriguei da chuva, aquela que cai em nuvens mundo abaixo até chegar ao fundo da carne e fica, ali, a fazer tinir os ossos. Elas mordiscam aqui e ali, não há pasto que chegue para quem não tem fome e este gado sobra-me pelas mãos fora como se fossem a minha própria linha da vida e eu, na dúvida, porque nunca me passou um vagão pela mão, não sei que sulco é o meu, se este por onde seguro o atilho, se aquele por on

Ascensão ao adro

Crónica de domingo na Bird Magazine Promete chuva, o céu, meticulosamente ordenado em nuvens escuras e menos escuras, como se a escuridão se dividisse em possibilidade de chuva e possibilidade de apenas ser possível chover. A passo apressado, vergam-se numa espécie de vénia estrada acima, depositando no asfalto enegrecido e irregular velas circulares, que alguém, igualmente apressado, atrás, vem acendendo com um isqueiro. O percurso fica iluminado lateralmente, o vento não consegue extinguir as pequenas chamas que vão tremeluzindo com medo que chova. E chove, pouco, é certo, mas o suficiente para alguns incautos pingos de chuva se fazerem cair, ao contrário dos relâmpagos, duas vezes no mesmo local e se, por acaso, o mesmo local calha de ser o cimo da vela, o pavio, então temos menos uma luzidia e tremeluzente chama azul e amarela para deleitar quem no caminho se fará de cabeça baixa e na luz a que reza encontre a sua rota iluminada pela encerada vela incrustada em prateado in
Para onde caminhas mudo com o excesso dos teus dias à socapa salientando-se, eles, pelo despropósito da eternidade que deles borbulha? Haverás conhecimento pela chuva que espreita por entre o síncrono rasgar da tarde em tons sem denominador? Interrogo-me por entre o significado e escondo-me à vista desarmada para que nunca te esqueças de mim pelo facto de jamais me teres lembrado. Eu não nasci, fui arado.

Maré negra

Crónica de domingo, na Bird Magazine . A manhã vai alta, mas do dia pouco nasceu ainda. O Sol criou-se e, pouco depois, fragmentou-se porque no meu olhar brilha ainda o sonho da noite anterior. Vou mergulhando na sombra do prédio, debaixo da incaracterística paragem de autocarro cuja sombra se prolonga sobre outros veraneantes, por entre fumo de cigarro, pensamentos indistintos verbalizados na inexactidão do momento, está frio, diz que vem calor, é o Verão, pois é. Ao meu lado um velho olha impaciente o relógio, abana a cabeça acenando negativamente, como se as horas que viu lhe comunicassem algo que só ele percebeu e, novamente, só ele negou. Aguardarmos ambos, ele o autocarro, eu o tempo. Parece-me mais atrasado o tempo que o autocarro, de vez em quando passa do lado de lá da praça uma carcaça grávida, alivia-se de umas crias moribundas na paragem e quando contornar o elevado degrau de cimento onde um tosco guarda-linha de ferro vai fazendo sinais luminosos sem luz para to
As pedras mantêm a mesma textura de quando foram lavradas e arrancadas ao solo. As minhas mãos também. 
Gaiarro-me na falta de minotauros. A justiça comenta para com a ignorância "havemos de deixar cair a venda", mas não passam de surtos e, por isso, efémeros lampejantes no final de uma tarde que se quer encostada à noite que por aí surge.  Tudo urge. O mundo, as pessoas, o tempo, o inumano. A porta mantém-se aberta para as nuvens que ameaçam protelar o infinito de um trovão sem relâmpago, talvez seja este ribombar o despertar afoito de quem se adormece enquanto acorda, um pouco como as nuvens negras, eternas parideiras de um aguaceiro que teima esparramar olhos fora. Se não pessoas, quem seremos agora?
Colho da mudez semeada o silêncio, levo-o em alvéolos ao ombro dos sonhos brotados dos canteiros onde se dissipam os versos, crocitam os lameiros além eu que os queria aqui mas de mim ninguém tem a sombra do que oculto e faz ela ali de meu próprio corpo vulto.