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A mostrar mensagens de outubro, 2011
Sorri. Quando os primeiros, mas grossos, pingos começam a cair, ele simplesmente encosta a vassoura a um caixote do lixo, dá uns quatro passos, dirige-se ao carrinho do lixo, retira o colete e veste o impermeável. Coloca o capuz, dá novos quatro passos, agarra novamente na vassoura e continua a varrer o lixo, sarrabiscando as ruas com o piaçaba. Sorri.
Faço de conta que amanhã, aos primeiros pingos de Sol, vou levantar-me como quem planta o mundo, meter a mão na água fria, lavar a cara, meter uns cotos de madeira na lareira, aquecer o café. E, depois, por entre chuvas e aguaceiros, cheirar a terra, que se perfuma diferente todos os dias e noite, e viver um dia inteirinho, com todos os minutos contados, para chegar ao fim, abraçar uma tigela de sopa e deixar que o sono me vá embrulhando como o fumo a enrolar as travessas do telhado.
Sussurra a altos gritos que devaneios te serenam. Permite-te ser dono do ar que respirar, gaba-te da tua humildade. Tumultua as águas paradas, fétidas, para que as ondas levem a lava que te afunda a embarcação.
O silêncio das palavras abraça-me. É, por vezes, todo o horizonte que madruga ainda antes de eu acordar. De tão valiosas as conto que as guardem em mim, acompanhando-me os passos, guiando-me a vida ao sabor do que serei. Ter palavras é guardar de mim o que não disse, mesmo se as falei.

Exposição "Alma Tua"

Imagem
À medida que o tempo avançava e o caminho abandonado de cascalho, carris e travessas, ficava para trás, o que era um projecto tornava-se em sonho, palpável e objectivo. Percorrer a linha do comboio, falar com um punhado de pessoas, semear aqui e ali uma fotografia ou deixar gravada numa travessa um poema avulso, tudo se transforma numa vontade de preservar aquilo que, vem desaparecendo: o sorriso digno dos transmontanos em geral e dos habitantes dos concelhos directamente afectados pelo assassínio da linha do Tua em particular. É impossível, quando se veste um pouco mais de alma, ficar indiferente à beleza do Vale do Tua. É impossível, quando se ouvem Pessoas, ficar indiferente ao grito mudo de gentes com a porta sempre aberta. Sem arrogâncias ou falsas modéstias, este projecto tem como Sonho preservar a imagem do vale do Tua. Esperamos que o visitante possa encontrar um pouco daquilo que os autores viram, mas, acima de tudo, possam entrar no mundo daquilo que sentiram e que está po
Vale-me a certeza de uma aldeia, à qual vejo os cumes dos telhados e o fumo pálido de uma lareira já a dormitar, enquanto subo afogueado o caminho que comecei há algumas vidas.
Trouxe a vida, eu, na palma das mãos como quem embala um mundo cheio de gente adormecida.  Era quarto crescente e eu, minguante, deixava-me orbitar pelos caminhos que se levedavam ao luar, mostrando-me não apenas a direcção, mas o sentido.  Os muros aos quais me seguro, rugosos, são sedosos como nunca os egos solitários o foram, musgados pelo tempo nascem para o Natal como eu para a chuva e, sim, é aqui que vou pousar o mundo, até que despertem.
A noite encostou-se às estrelas, há um cunho de bom malandrismo na forma ligeira e lânguida com que, sorrateiramente, se aproxima delas, primeiro crepuscularmente, o bom velho como quem não quer a coisa, depois, já não a tinham visto, ela estrelava-se esparramada pelo céu e sorria.  É noite.  Um dia há-de chover.  Uma noite há-de crescer.  Um eu há-de escrever.  Encostado às estrelas.
Que se arrebanhem as cataratas de tudo aquilo que não choveu.  Surgirá um dia, que da noite não se lembra o mundo de dormir, em que adormecerá o valor dos que se valorizam pelo que ostentam, sem nunca descobrir que o valor, Valor, está no que adormecido ficou quando se cresceu.
Conhecerás a verdade... E não suportarás a liberdade.