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A mostrar mensagens de novembro, 2017

Com eira, sem beira

Crónica de domingo, na Bird Magazine . Curva contra curva, as retas sucedem-se também tortas, o pequeno-almoço bamboleia desprotegido no estômago e começo a pensar se não será desta vez a primeira em que irei ficar mal disposto ao volante. Paro no que seria suposto ser um miradouro, o chão calcetado apresenta fosseis de folhas de eucalipto e memórias de quem por lá parou, acredito que em noites mais sombrias e frias, onde a cegueira do amor possa ver o que dois corpos jovens, ávidos, têm a dizer um ao outro. Não satisfeito com o local arranco, mais uma mão cheia de curvas e encontro o local perfeito. O Sol irá em breve transformar o granito dos bancos em solarengo repouso, desligo o carro, abra a porta e rio-me da estupidez habitual em tentar sair do carro sem desapertar o cinto. Já sem cinto, física e homofonicamente, espreguiço-me com o à vontade de saber que ninguém está a ver. Ao fundo o Douro serpenteia, com mais ou menos sede, alheio às vontades de quem o navega sem valorizar a

Por encomenda... "poesia à medida"

Ontem quando te nascia o amanhã dei às letras o futuro enrubescido, porque a cada sorriso ensinado surge um ocaso feliz agora que, pacificamente, se faz passado, e não que te pertençam as horas, mas porque o tempo o teu infinito é meu porto seguro onde (em mim) moras. *** Deus em teus braços deposito os meus, saídos do ocaso às madrugadas que sorvo quero-me às sombras que urdem pelo fim protegendo-os ao Inverno Pai que chova só em mim. E neste dia que se abre ao mundo benze-me tarde esta tarde na recordação de meu ventre a homem terá sido apenas um segundo? Agora, nos teus olhos brilho e os meus que levanto ao céu digo, filho, toma este caminho, é teu. *** Não se cansam arfantes as palavras onde joga o destino, numa vida sem errantes amaras no limite onde não sucumbe o início o tempo que passo comigo chama à noite pela companhia, um amigo. Queiram-me as mãos que outras mãos vencem e dias longos onde se espreguice calmamente a noite quando a vida em ti se avizinha há toda essa felicidad

Inexistência

Crónica de domingo, na Bird Magazine . A tarde vai-se cedo para que a noite de inverno, ainda que outonal, traga a matiz oblíqua do distante astro e me faça perder uns segundos a apreciar as partículas de pó que volitam no vazio, cada vez mais vazio, que permeia o que sou e o que me rodeia. No nada, há espaço para mais algum inexistente? Antes de subir o ocupar o espaço, um pouco como se me deslocasse por entre um fluído que se torna mais espesso à medida que envelhecemos, ou a paciência se nos esgota, vejo a mesma sombra de outrora, agora mais senhora de si, encostada às paredes velhas da oficina velha, aos meus olhos talvez sombrios, por isso velhos.  Nas mãos, depois de as sacudir sobra o cheiro a verniz, os dedos algo sujos percorrem algumas teclas cegas e gastas, as mesmas que mais primo quando digito. Será que temos partes igualmente gastas, nos locais onde a vida nos prime? O Outono espreguiça as nocturnidades e obriga a luz adormecida a acordar cada vez mais cedo. Cá e

Meia regueifa e uma vida inteira

“Meia regueifa e uma vida inteira”, crónica do nada , no Correio do Porto . Com o tempo chuvoso não me parece que isto se possa chamar andar a pé ou caminhar, vou simplesmente a navegar pela rua abaixo, vendo entretido pequenos regatos que se formam nas bermas limpas de folhas de sobreiros, caruma e restos de tonas de eucaliptos. O aumento do caudal faz a água soltar-se do leito rugoso do cimento, desfrutando da liberdade líquida, correndo livre pela estrada e arrefecendo o negro alcatroado caminho, molhando-me os calcanhares. A continuar assim transbordo-me. Na entrada de uma garagem, sob um oleado esverdeado, dois jovens aninhados e protegidos da chuva, mas não do duro labor, martelam graniticamente os cubos que se encolhem e aconchegam na areia fina, criando solo sobre o chão. O saco de pano, bege, com um motivo floral bordado, vai encostado ao peito enquanto a mão que lateja o calor interno de me sentir água na chuva tenta manter o guarda-chuva com a inclinação perfeita. Qu
Apoio-me ao lavradio o calor da terra desenterra a manhã Outonalmente acastanho-me de castanheiro enquanto não me sobro ao braseiro, estou longe ti Inverno companheiro. Greto os lábios do frio, quando me vestem de nada sacio a morte pela madrugada e faço-me homem ou ermo, damos todos ao mesmo. Agora que surge o ocaso o Sol espreguiça-se a Oeste, não consigo ser-me outro aquele ou este, porque de mim ao infinito há uma dízima e nela a sequência espiral do Deus que lavro, acima do bem e do mal.