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A mostrar mensagens de maio, 2011
Vou preparando o caminho, polvilho com ausência a falta de tudo nestes pequenos pedaços de nada que me surgem quando adormeço.  Há um tempo para semear.  A  terra árida destempeia-se, para ser ela mesma, intemporal, sem que nadas atrapalhem o percurso que fizemos amanhã, antes de ser tudo.
Não sei já onde colocar os agoras, todos os antes que se anunciam a cada amanhecer, todas as eras que se dissolvem em cada espelho, o ser o que foi, galgando os dias como vidas, sem que se viva um dia sequer, apenas porque o tempo, como sempre criança, vai rodopiando como um pião, na palma da minha mão.
Alimento-me da fome, da sede, da inconstância do vento que sopra apenas quando cá não estou, da chuva que me cai pelos braços e se deleita ao cair, de costas, no chão, encharcada, a olhar para mim e a sorrir.  Se dimensões houvesse, inventá-las-ia, eu, feitas do mesmo material com que construo as histórias que não escrevo.
Descubro agora, no vidrado que se amortalha nos dedos, que sempre fui azulejo cuja mão, trémula, me teima pintar quando eu, na verdade, feito de azulejo e cavalete, tenho cor que não se vê, porque se oxida o amor quando fora do seu tento.  De mistura em mistura, miscelâno-me com os olhares que outros mundos afloram, para sombrear ao de leve a flor, no vento, que se deteve.

pois(o)

Porque ondulam as folhas se eu, o vento, repouso sem me saber ventar? Os pequenos cerrados que se abrem ao florir, as quadrículas sem gente e os muros musgados onde descansam melros, são meu poiso e das raposas e dos canteiros com rosas onde vou ceifar meu oiro.
Sobre o chão derramado escoam-se as vintenas de dias aflitos, a maré do viver que se faz mantra diviniza o profano que em mim se levanta. Ecoam as feras humanizadas pelas paliçadas sacudindo a ignorância com desprezo de quem se sabe tanto sem calcular por quanto.
Vai-se o vento pelas portas entreabertas, entre, estão abertas, as portas, por onde se vai o vento... Que daqui ao infinito, reza a distância de um terço de eternidade, tudo porque não sabemos, ainda, que o nosso futuro está do lado de lá da idade. Sonharei até que o vento se explique e me diga, porque voa, a razão de se ter expirado ao largo da minha mocidade.
As ruas recolhem-se, agora, à noite, para que os caminhos saiam à rua, com as suas sombras a iluminar o pouco de luz que espreita, que hoje é dia da Lua se deitar cedo.  Mais cem anos num só dia, para que eu viva os que sou, nos locais que habitarei no passado que me fiz.  Gosto de viajar no tempo, para descobrir que, apenas na carne e nalgum osso, o tempo não existe.
Vou preenchendo os vazios que não conheço com todas as personagens que me sugam o olhar e todos os olhares que fazem abrir as mãos. Um dia, serei por fim capa, contracapa, sem prefácio, com lombada de urze e as letras hão-de ser, quem sabe, apenas pétalas e granizo, ou nevoeiro e madrugada, ou apenas o vazio escrito com pingos de café.
Curioso como vários momentos se conjugam na mesma pessoa, singular ou plural, para manter os universos em rotação.