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A mostrar mensagens de julho, 2015
A maldade incrusta-se no ar, segue a neblina rendida ao passadiço entre a incoerência e o sonho, com quem quer que seja, as pessoas continuam a senda diária sem se aperceberem que há muito os dias terminaram, o que nos separa da candeia é uma pequena sombra que se projecta entre a paisagem e o olhar.  Daqui a ontem vai um simples caminhar. Paira um fétido odor a pensamentos erróneos, aspergem como uma onda que flutua, dobrando as esquinas pontiagudas das palavras que se proferem ainda em pensamento, como quem não se deixa ver.  Não há lugar nos olhos das pessoas onde se possam esconder. Dir-me-iam, talvez, será da idade.  Não.  Acho que é de facto maldade.
Tenho o silêncio a desbotar ao longo da costa, contra a neblina que ondula no orvalho que nasce no meu braço, esquerdo. Mar adentro o passo faz-se maré e até a piscícola humanidade comunga a pacífica serenidade com o resto de mim que ficou sentado, lá longe, no banco do jardim.

Dia dos Avós

Crónica de Domingo na Bird Magazine. Mãe há só uma, verdade, ainda que omisso, pelas muitas mães que não o sendo, biologicamente falando, se encarregam de carregar na vida filhos e cadilhos, seus e de outrem. Já avós, que me lembre, assim de cabeça, de todos aos que chamei avô ou avó, trago sete, sim sete. Quatro avós e três avôs. Porque avô ou avó é toda a pessoa idosa, daquelas que conhecemos desde velhas e que, por isso, não envelhecem. É um fenómeno que nos assiste no quotidiano que se partilha com quem atravessa já os gastos dias enquanto nós, de joelhos esfolados, nos vamos rastejando enquanto os passos não possuem suficiente passada para nos levarem a um destino.  Sabe Deus, e quem me conheça mais ou menos bem, que nada me separa de todos os outros e outras que fazem parte do espectro electromagnético que é o meu olhar semi cerrado e quase cansado, em suma, de quem amo. Tive sete avós, sim, sete. Na verdade continuo a tê-los, não sei se algum deles poderá já ser o
Já a noite se calou, despiu-se sensualmente ainda que ninguém a tenha visto, enfiou-se por entre lençóis e acordou apenas a horas de ouvir alguém clamar por ela. Tornou a adormecer. Necessita de um bom descanso. Ser noite é ter no dia a fantasia, soçobrar ao calor desconhecido, lançar sombras antes de tombar pelos escarpados montes, escurecer todos os horizontes, fazer o gosto a quem pela manhã se cansa ao dizer, que pena, já está a anoitecer
Não tarda a que os olhos se virem além do que olham, percorram caminhos, encantos, sem se deterem pelo que a vida nos mastiga. Um passo a cada passo dado, ainda que no silêncio, ainda que no enigma das pedras, ainda que. Com qual das avenidas se parte em viagem, num trajecto aquoso, sem margem, com qual das partidas? Deus,  ainda que de mim possa ter sonhos teus, por onde estendes os trilhos entendes não eu que se me morrem os passos os abraços e no descaso de uma inclinada moutada eu que de tudo tenho nada chamo baixo o calabouço, vês no erguido erigido onde procuro o que creio não querer, tocar a noite sem te ver sem cardos e pecados de revés, Deus, é porque te procuro e não encontro que sei, És.

Ver, ti, calmente

Crónica de Domingo na Bird Magazine . O ruído resume-se ao roncar resignado do aspirador, ao arrastar arranhado das rodas de plástico no chão, ora soalho de madeira, falsa, ora alcatifa. Uma ou outra criança reclama algo imperceptível e os pneus dos carros martelam a borracha contra os paralelos, simetricamente caóticos, os pneus e os paralelos. E as pessoas.  A tarde, embora ainda não seja tarde, parece querer afastar-se do dia. Talvez por ter nascido cedo, ainda o dia se virava na cama destapando o corpo nu da noite, e os pés terem-se enterrado na terra fria, ressuada, enquanto as mãos desabituadas moldavam descalejadas o cabo da enxada. Se o dia nasce cedo, na boca tem que estar a fermentar o sabor do café, subindo palato acima até se encontrar com as recordações dos desejos de ver nascer o resto do dia sentado num tufo verde e ainda orvalhado.  Quedo-me um pouco, a enxada apoia o meu corpo semi-sonhador, o suor exagera a quantidade trabalhada, fruto do despreparo

Dia mundial da população

Crónica de domingo na Bird Magazine . Deveria ter terminado, mas ainda aqui estou, a sacudir as ideias dos ombros e deixando que nasçam planícies para onde quer que olhe. Ontem foi dia da população e eu não sei o que celebrar, isto porque o termo população tem tantas conotações e significados ou distinções, que não sei se estou a honrar a animalesca definição biológica, a insípida sociológica ou, como no quotidiano somos tratados, a estatística. A população, adormecida, que acorda de manhã e pergunta pelo Sol ao ver a própria sombra, é um grupo de pessoas, indivíduos, que acasalam entre si e, assim, produzem descendência, mas, também, pode ser aquele grupo ou conjunto de pessoas num local e num período de tempo, sem qualquer importância ou vitalidade, - É aquilo ali – de braço estendido enquanto viram a face para trás e de olhos revirados dão um pequeno abanão com a cabeça para trás, apontando com a nuca. Hoje, quando ligas a televisão, és um conjunto de elementos,

Amadrugadecida

Crónica de domingo na Bird . O dia amanhece cedo, não me tinha apercebido da algarviada da passarada assim que a claridade se vai imiscuindo montanhas acima, atenuando o brilho mais tardio de estrelas tímidas e entrando pelas frinchas do resistente estore que cobre a janela do meu quarto. Acredito-me capaz de madrugar e deixar alcova descoberta enquanto vou travar uma longa e salutar conversa de pés descalços com os torrões ainda quentes, nestes dias que se fazem perdigueiros e arremessam apontados os tubérculos que se colhem ainda por colher. Começo a lutar, em pacífica incursão, de bolhas nas despreparadas mãos, com o suor que me pede permissão para brotar, desfolhando ambições de meninice enterrada de cu no chão, a roçar leiras com pequenos brinquedos dos quais já nem a cor recordo. Por mim, aqui, a caminho do meu caminho, vou cantando baixinho o meu hino, admirando-me com a simplicidade pacata do nascer do Sol, o ruborescer das nuvens, a pitalhada no ar a chilrear, o bar
Peregrino de passo travado, na tarde onde suam as planícies, que olhar esvoaça dos teus cabelos, que silêncio te prega ao infinito?
Tenho nas mãos um caminho perdido as curvas do suor e a têmpora saboreada, na viagem do ido de que lado parte a estrada?