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A mostrar mensagens de janeiro, 2018
Cobre-se a vida na candura o branco e o invisível que perdura, sagrado o dia espreguiça-se pela tarde e é Deus (de quem tudo tive) que sussurra: a vida é o que em nós Vive.

A saudade cabe-nos na mão

“A saudade cabe-nos na mão”, crónica de Domingo, na Bird Magazine . Pelo caminho para a escola havia de se passar por uma fila de casas que se comprimiam ao longo das portas e janelas rendilhadas, parecendo que alguém teria feito daquele aglomerado uma concertina em tamanho grande, comprimida, sem fôlego, à espera que por algum desígnio se conseguisse escapulir e expandir, libertando a sonoridade a que isso fora vetada.Tudo é permitido à imaginação quando se tem olhos de criança. À janela, outrora, cabiam sempre as mesmas vestes negras sob a padieira, as faces enrugadas e o horizonte ainda curto, cujo tempo faria o favor aos homens de desbastarem primeiro as copas das árvores, depois o resto das mesmas e, por fim, o monte todo, dando azo agora a ver prédios e estruturas inimagináveis noutros tempos, talvez porque noutros tempos a imaginação era parca, limitando-se a descortinar sombras entre esteios e medas de palha e lançar os boatos e lendas de gente perdida pelas colheitas e os an

Dois lados da mesma moeda sem valor

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Dois lados da mesma moeda , mais uma Crónica do Nada , no Correio do Porto . Escolho salada de atum sem qualquer alternativa. A funcionária funga um sorriso por baixo dos óculos embaciados e, ao mesmo tempo, grita alto o suficiente para que o pedido entre pelo postigo, ladeado por um papel de parede encardido de pedidos, sebosos, que escorrem asperamente ao longo dos tempos. Pouco tempo depois, a bandeja de metal bate pesadamente no mármore entranhado, o molho de azeite e vinagre saltam por entre o feijão frade, a salsa sacode-se como os cabelos oleosos que conseguem fugir da prisão da touca amarelecida da cozinheira, e tilinta o atum, recém libertado do balde de plástico, com alvas semelhanças com as taínhas que vi à boca do esgoto como loucos saltimbancos em pirâmides humanas lutando pela proximidade dos dejectos. Como directamente da bandeja, a rapariga leva o prato, limpa-o com o pano que traz à cintura e coloca-o no topo da pilha, deduzo que para mais tarde o entregar a outro cl

A véspera de amanhã

Crónica de domingo, na Bird Magazine . Resta o sabor das filhoses impregnado nas traves de madeira. Os barrotes negros da fuligem que ascende ao tecto à boleia das brasas incandescentes, misturadas com sonhos de outrora, nas lágrimas frias invernais das memórias de agora. As telhas encavalitadas sobre e sob o musgo dos invernos, esquecidos no ressoado daquilo que o céu não quis, parecem a metáfora para o que não queremos acrescentar, o adjectivo que irá encapelar um mar que não sabemos navegar, no aguardo das mãos que as adornem às traves do costeado esqueleto de um corpo que se aguenta apenas porque, uma vez por ano, há momento em que se inspira o que alimenta e sustenta. Passou-se o Natal, quase uma estação de um só dia na baforada de um cigarro que nem tempo tivemos de acender. Ficou-lhe na véspera o presente de um dia que se esfuma como o vapor nas lentes quando, com todos ao redor da mesa entre o saboreio da fausta consoada e a recordação do patriarca ausente, saiu da cozinha. D