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A mostrar mensagens de março, 2016

Páscoa

in Bird Magazine - E agora? Pergunto transpirado, apesar da madrugadora hora a que o faço, depois de sacudir as mãos e o pó que se desprende se transformar numa espécie de neblina dourada que o ar se encarrega de levar para polinizar o deserto, encostado à pedra que acabei de rolar, de mãos gretadas e inchado de esforço. Olhas-me directo no olhar e esgueiras uma espécie de sorriso. Há nesse teu silêncio sorridente uma resposta a toda a indagação que ainda nem se sabia pergunta, já tinha abraçada a si a compreensão daquilo que ainda não se tinha incompreendido. Pousas a mão no meu ombro, a dor que moía maceradamente e me punha a pele comprimida contra o músculo avermelhada desaparece. Dizes-me para sairmos daqui, levanto-me a custo esquecido que estava do peso desta e da anterior noite, ao relento, tal como tinhas dito. - Não podemos ficar por aqui? Estou cansado. Mas tu sorris novamente, mirando-me na ternura com que um pai espreita o filho quando ele, inocente, se tom

“Entre mundos”

in Bird Magazine Dois passos e estou no balcão. Bom dia! Rio-me, ri-se, Boa tarde e quase bom fim-de-semana! Engano-me ainda como adolescente, mas dou por mim a precisar de dar apenas dois passos para chegar ao balcão, quando antes precisava de mais dois, esquecendo-me até que agora tenho que me vergar para a senhora do balcão dos CTT me ouvir, quando antes tinha que me colocar em bicos de pés. Por vezes, ou sempre, é assim, transportado para um mundo mais pequeno, mais baixo, acordado na casa dos enta, sem me lembrar de cá ter estado antes, como se à saída da agência dos CTT estivesse a minha bicicleta e uma data de amigos à espera para ir tomar banho ao rio. Até as mãos no teclado, que parecem nascidas com ele, sorriem quando me olham, vendo-me crescer segundo-após-segundo, afagando-me a cara quando tenho frio ou simplesmente escrevendo coisas que leio e que me fazem compreender o mundo, ou o balcão. Oscilando entre infinitos mundos, é como se todos eles estivessem
Concede-me a sombra fugidia a que se escorre da noite ao dia, onde tudo nasce e em mim morre porque não sei falar olhar além do que ao coração se acomete, no ocaso procuro o acaso que descansa no muro fronteira final de onde nunca fiz começo parar ofegando no amanhecer quando me adormeço.

Quaresma abandonada

Crónica de domingo na Bird Magazine Perdido por planaltos beirãs e transmontanos, encontro gentes, velhas, encostando as mágoas umas às outras, no frio do granito, enquanto as mãos se arrastam, palma com palma, aquecendo-se, abraçando-se no engano de se abraçar alguém.  Há um bom dia que salta, os castelos abandonados encerram bem lá dentro não dragões aprisionados, mas tristeza e solidão libertadas, em forma de caras que na força das rugas se perdem as feições.  O Sol vai aquecendo como pode uma terra, e gentes, que se quer por lá, perdida, sem voto na matéria, quase sem matéria, num deserto acampado às portas do viver.  Um ou outro gato, um ou outro cão, umas ovelhas algures sem pastor, tilintam o chocalho no que é a banda sonora de quem se levante e não sabe se é dia ou noite, à força de viverem no escuro do chão.  Os brasões ostentam ainda as talhas, as memórias que se apagaram e, no descer arrastado a que me voto, estrada fora, com as mãos ainda nas rugas daquilo que não sei