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A mostrar mensagens de setembro, 2018

“Artesanalmente vivido"

“Artesanalmente”, crónica de Domingo, na Bird Magazine , para ler lá ou aqui. Em todas as feiras artesanais questiono-me sobre a desprendida, livre e selvagem, porque pura, vida dos artesãos. Nestes momentos vou vivendo aquilo que não estou, como se por momentos a vida sofreasse e eu resvalasse noutra existência, minha ainda, desenrolando-se noutros sucalcos eras e locais, passados de menos e futuros de mais. Sou já eu atrás dum balcão, eu quem dorme embrulhado, o fruto do trabalho almofadadamente sob a cabeça, estômago reconfortado pela chávena metálica com café e uma fogaça ainda quente.  Durmo, confortavelmente mal instalado no saco-cama, ouvindo os barulhos da noite que se transformam em canções de embalar cujo compasso apenas o grande Compositor conhece. Acordo com o raiar do dia, o caderno ainda aberto e a caneta perdida dentro do saco-cama, trocando o susto de ver um insecto a centímetros de mim pelo riso de alguém ter partilhado um sonho comigo. Levanto-me, cruzo os braços

“De onde nunca deveria ter saído”

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Mais uma Crónica do Nada no Correio do Porto , para ler aqui ou mais abaixo. Uma das várias vantagens de quando andava de comboio era permitir-me passar em locais onde as árvores me viram crescer. Ainda ensonado passava em frente à rua onde morei vinte e cinco anos, no beco para lá de uma curva que, em criança, não me permitia ver a pequena casa azul do fundo, a minha, o casulo de onde nunca deveria ter saído, amparado que estava pelas silvas, pessegueiros selvagens, pinheiros, eucaliptos e o apaziguante curioso latir das raposas bebés que procuravam comida nos restos que deixávamos no monte. Antes, sem nome, possuía a identidade de cada um que lá vivia, agora possui apenas o longo e descaracterizado nome de Travessa da Avenida de um Barão que nunca conheci. A mata que a ladeava, antes com mimosas, austrálias, fetos, mato e giestas, está agora despida, apenas com tocos de eucaliptos, resistentes, mantidos a troco de questões humanas que, sinceramente, não entendo, com as suas raízes

Caminho alheio à caminhada

“Caminho alheio à caminhada”, crónica de Domingo na Bird Magazine, para ler aqui ou ali . O que fazer quando as palavras já não se colam aos braços nos dias de calor? Esmiúça-se na vontade o ínfimo detalhe para que uma história nasça e seja recebida, acarinhada, amada até!, para depois ser depositada no quotidiano com o desejo íntimo de se ser mais palavra do que frase, mais letra do que palavra e, por fim, mais silêncio proferido do que todas as palavras cacofoniadas sem conteúdo num bafiento bocejo de quem se dorme. A chuva adormeceu e enquanto tarda acordar fecho os olhos e o café ondula em aroma até me cobrir o fim da manhã com a tenacidade dos sonhos. Nas poças de chuva corre-me o Douro ou o Tua ou o Sousa, cheios!, criando ilhas desprevenidas onde me socorro náufrago. Não será sempre Inverno, nem Verão, não terei sonhos eternos, nem sempre razão e é pela volatilidade da maré que aspiro ser Açores, deitar-me numa colina e hortensiar-me em tons de azul e lilás e quando não me sou
Para o colateral onde me viro em oração, entrego todo os dias iguais, sem mais, sem menos, ouvindo apenas o que me entrega o labor de silenciar o vento, nesta surdina abafada de um metal em brasa a expelir-se porque não me sei falar. E, porque, digamos, pensando... (pausando)... sem me saber dizer e por isso solicitado em oral, sorrio o fim da tarde e deixo-me crepuscular de olhos fechados para que me auscultes na ausência de uma reticência. Foi distracção, andava a escutar uma lágrima tombada ao interior de um mundo apenas e só porque aquela nuvem me fez lembrar o céu, e de lá, donde vim, também a vida foi eu, nesta e noutras idades. E porque, enfim, também de mim sinto saudades.

Imutabilidade

“Imutabilidade”, mais uma crónica do nada , no Correio do Porto . Para ler no Correio do Porto, clique aqui . Pagaria, pudessem as nuvens serem dinheiro, o que necessário fosse para ter sempre a refracção das gotículas de água num dia de sol tímido, enganando o torpor de uma viragem na estrada com a promessa de ser, novamente, o som abafado da surpresa de uma criança a ver pela primeira vez a influência de um sorriso. Tenho gasto as horas, talvez por isso o tempo ranja quando passa perto de um sentimento e o vento se faz ao caminho, na maior parte das vezes sozinho, para se sentar no colo de alguém que o embale, até ele se recordar daquilo que realmente vale. Deitado, a noite subiu já até ao meu peito, preparando-se para me cobrir e eis-me na gare do sonho. Vão passando entusiasmados por mim, atropelando-se, correndo para novos horizontes, fazem-se assim aqui, aos montes. Em frente a mim param vários, adensam-se para que entre, mas apenas sorrio e declino timidamente. O meu sonho

Não sei porquê

“ Não sei porquê ”, crónica de Domingo, na Bird Magazine. Perco alguns minutos a pensar num título, muito por culpa de não saber o que escrever depois do mesmo. Até onde poderá ir o questionamento? Em todos os cantos do ser, há desejo de partir, de viver mais do que aquilo que a vida permite. Continuo a ser mais do que me dizem ser possível, a sonhar mais do que durmo, continuo a ser astronauta num dia e lavrador noutro, para depois voltar a ser aquele a quem chamam pelo meu nome, entre indústrias e paisagens, entre crentes e ateus, entre os abraços e um adeus. "Um dia também irás crescer", foi-me dito em mais do que uma ocasião, por entre sorrisos nervosos de quem não via os meus sonhos ou o riso, meu, quando ouço o que sou e me ausculto ao espelho. Somos doutrinados para crescermos e sermos alguém. Não nos incutem a palavra sonho, apenas crescer e ser alguém. Não falam em desbulhar um talento, em ser-se quem se É, em auscultar o que nossas mãos urdem quando estamos de olhos