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A mostrar mensagens de agosto, 2018

Apenas o silêncio

Crónica de Domingo, na Bird Magazine ou como ficar apenas o silêncio . É com as memórias tumefactas que me irei deitar, na cama, talvez na terra, e deixar que a argila se molde a mim e eu renasça por obra de um sopro, órfão de costela. Talvez assim, semi-enraizado, me surjam das mãos pequenos galhos que floresçam um dia quando desfolhar um conto qualquer de Miguel Torga e me adopte, o conto, como cedro, vinha, apeadeiro de abandonos abandonado ou, até, como fraga perpetuamente admiradora de uma paisagem que por imutável me obrigue a descobrir novas pétalas nas mesmas flores. Carregarei valados acima os cestos das minhas palavras e tentarei semear, com meus parcos conhecimentos de semeadura e agricultura, as palavras que gostaria ver desenhadas nas encostas onde espero acordar quando pousar este corpo e me erguer, livre, pelo infinito que primeiro me envolver. Mas agora, resta-me pouco mais que o silêncio e o calor do corpo. Tenho as palavras a latejar no chão, dispersas, sem saber c

Nu, vem

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“Nu, vem”, crónica do nada , no Correio do Porto . É fácil perceber que, hoje, estamos em véspera de feriado num dia posterior a um Domingo, o trânsito é bem menor comparado a outros dias e as pessoas, que não passeiam na estação, deixam espaço suficiente, nem mais, nem menos, para eu transportar os meus sonhos. O calendário tem destas coisas, uns feriados estrategicamente colocados, uns dias de férias no bolso e um descanso da lufa-lufa diária na algibeira, transformando o labor num movimento menos laboral, quase como se o dia surgisse por inteiro num quotidiano a part-time . Faltam mais de 20 minutos para o próximo comboio e vou fazendo da voz abafada, nasalada, metálica, desligada, inumana que anuncia os comboios em cada linha, a minha companhia, no final deste dia por metade. Coloco-me estrategicamente virado para o Sol, obrigo-me a semicerrar os olhos para poder ver melhor, às 19:34 o astro-rei fita-me de frente e é das poucas vezes que um olhar faz desviar o meu. Enquanto fecho o

“Quando chegar a hora”

“Quando chegar a hora”, crónica na Bird Magazine (04/08/2018). A lareira crepita e o bailar das pequenas chamas inunda este espaço com uma luminosidade fugidia. As crianças brincam, alheias à apreensão, animando ainda que fugazmente os adultos que, pensativos, aguardam que eu lhes diga algo. E que hei-de eu dizer? Ter encontrado este local foi sorte, ou talvez não, talvez estivesse escrito algures que isto me seria cedido, a título de empréstimo vitalício, com a intenção clara de não deixar morrer a terra, a casa e os animais. Chamá-los para virem comigo foi o mais complicado e trabalhoso, houve quem não acreditasse e ainda não acredite, mas vieram ao ver-me resolutamente abandonar tudo e voltar-me para aqui, convicto de que estariam para chegar. Os mais próximos, incluindo os mais cépticos, confiaram em mim e trouxeram algumas pessoas da mesma forma que eu os trouxe, porque tinha que ser, porque alguns tinham-se já predisposto a isto e porque, acima de tudo, a convicção profunda, s