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A mostrar mensagens de outubro, 2007

Oração solitária

Pende-te um rosário invisível das mãos e a vida, contas as contas gastas enrolando-as nos dedos cobertos de rugas e calos, de os teres sabes já de cor anos e meses e dores. Fogem-te os movimentos de doenças e maleitas que não sabes o nome, de vago e vazio teu estômago não sabe o que é a fome, trajas de preto no dia porque a noite te levou a matiz quanto teu Sol partiu para longe, em terra cujo nome não se diz. Onde guardas a juventude? Quantas desfolhadas e vindimas e madrugadas de geada, quantas? O teu mundo repousa nos dias que trazes nos olhos que inundam quando o bailado das searas te faz viver os sonhos, mas estes são um, um só, cravo não florido no jardim das tuas mãos agrestes. Fechas os olhos, uma mais com a força da idade para que cheguem ao céu, as voltas do mundo que trazes no coração são histórias vívidas que nunca esmaecem, são atilhos curtidos que comandam e afagam cada letra invisível na minha mão.

Hold me

Tombaste quando o vento amainou, as vozes ameaçaram em tom de medo e segredo, nos dias azuis a ânsia de ser o espelho de outras faces, saberás tu que a ignorância que plantas na sementeira da vaidade tem gosto a vermelho sangue vivo? Os corpos que empurras contra o calor da saudade têm fome de amar, exibem a desnuda pele e saliências que desconheces existirem, o culto que regrides em tardes sentadas são sonetos e poemas que não agradeces, apenas te entregas ao devaneio de sentir o amor contra o teu seio.

Quando chega o Inverno

Quando chega o Inverno ou mesmo quando apenas se aproxima, quando o Sol começa o seu período de hibernação e as nuvens se tornam cinzentas, há algures um local perfeito, com uma casa de pedra e xisto, telhado de madeira, telhas que deixam fugir o fumo da lareira, divisões pequenas, mas acolhedoras, paredes mistas de branco, pedra e madeira clara e escura, cozinha de lavrador aquecida pelas brasas, amigos à mesa rindo e putos traquinas a jogarem jogos onde só eles conhecem as regras, pão sobre panos coloridos e canecas de café fumegante, um pátio em xisto e terra depois do alpendre com pilares em madeira e telhas à vista, uma cama de rede e um estendal, uma cadela a dormitar e um vento a levantar… As luzes ao longe dão vida à aldeia, o terreno não tem redes ou muros, é meu e de todos, vai até onde a relva acaba e se erguem pinheiros e eucaliptos, de onde se tiram umas folhas para a água fervida e se inala, lenha seca recolhida e empilhada e teias de aranha, uns degraus aquecidos

Winter's at my door

Nevava, fazia frio como os olhares escuros de corpos sem gente lá dentro. O primeiro abrigo ocupava um vazio opaco e bafiento, as histórias colavam-se aos dedos e rezavam baixinho expiando os seus medos. Não te alcançam ou tocam, o hiato entre olhares e mãos é longo, chama-se dor e tem nas sombras e trevas a sua cor. A noite traz, sempre, algum amigo nas gotas do orvalho, aquelas que se confundem com os teus olhos molhados de solidão, cansados de esperar e correr ao encontro de um sereno turbilhão.

Seeds

Acordo nos murmúrios das noites, dos que me oscilam nos gritos que não solto. A madrugada ainda não me fez o tempo que vou viver, não nasceu ainda o não que estende o braço e alcança, ao de leve, a corda que me sustém contra o abraço. Quantos gelos e rios cabem nos sulcos de uma face? Ergo estátuas a heróis solitários, como os barcos que ancoraram em mim, nos lugares atados possuídos e mal fadados, carregando fardos alheios e olhares de poesias apagadas cheios. Muda-me o sentido, o rumo, ou tudo que faça nascer os locais que surgem por entre acordes que não sei dedilhar...

Ver, crescer

Cresces nos corredores da vida, enquanto entras e sais do teu mundo. Sente a vida no vento e a eternidade num só segundo para que saibas, amigo, onde as estrelas te levarem eu estarei lá, contigo.

Semear felicidade

Nas mãos de Primavera onde plantas Saber há, sempre, um amanhã que sorri. Encosta o ouvido a uma estrela e descobre, ri, a tua felicidade não chove, nasce perto, dentro de ti.

Arados sem mãos

A estrada não tem fim, começa-me nos olhos fechados e segue adiante, entre saídas de árvores cinzentas e doridas, avante!, que ainda não se acabaram os sonhos! A terra por arar pariu um pastor, dos montes queimados só a esperança não partiu, que se lhe agarrava à saia a dor.

Invisível visão

Estive lá, mas não me encontrei, vi os montes e as nuvens e as nuvens nos montes gravadas, tal como sonhei. O brilho esquálido das estrelas e a brandura física das caravelas, as linhas pintadas com palavras e cada uma com o ruído das estrelas a dançar, apenas para rimar. Tenho folhas novas e vazias, odores desconhecidos e lençóis de águas frias, nas mãos os sorrisos idos e no sorriso lápis partidos. Escrevo agora, aqui, desconexo confuso, tudo porque estive lá e não… não me vi…