“De onde nunca deveria ter saído”
Mais uma Crónica do Nada no Correio do Porto, para ler aqui ou mais abaixo.
Uma das várias vantagens de quando andava de comboio era permitir-me passar em locais onde as árvores me viram crescer.
Ainda ensonado passava em frente à rua onde morei vinte e cinco anos, no beco para lá de uma curva que, em criança, não me permitia ver a pequena casa azul do fundo, a minha, o casulo de onde nunca deveria ter saído, amparado que estava pelas silvas, pessegueiros selvagens, pinheiros, eucaliptos e o apaziguante curioso latir das raposas bebés que procuravam comida nos restos que deixávamos no monte. Antes, sem nome, possuía a identidade de cada um que lá vivia, agora possui apenas o longo e descaracterizado nome de Travessa da Avenida de um Barão que nunca conheci. A mata que a ladeava, antes com mimosas, austrálias, fetos, mato e giestas, está agora despida, apenas com tocos de eucaliptos, resistentes, mantidos a troco de questões humanas que, sinceramente, não entendo, com as suas raízes que antes moldavam o caminho de terra onde brincava com os carrinhos improvisados e que, agora, elevam paralelos e continuam a decorar as antigas habitações com sulcos nas paredes.
Ao ver o monte despido, com um aspecto limpo, tal como deveria estar todos os montes deste país, não conseguia deixar de questionar-me como foram capazes de caber tantos sonhos num espaço tão pequeno?
A vantagem de sermos crianças é que somos coreógrafos sem o sabermos, moldamos com a imaginação cenários tão distintos quanto reais e, o curioso, é que apesar de tão distintos os putos amigos, o cenário construído era apenas um.
Naquele espaço couberam constantes seis putos a brincar, com participações esporádicas de outros miúdos, mais novos e mais velhos. Naquele pequeno pedaço de terra fomos heróis e vilões, índios e cowboys, polícias e ladrões e toda uma panóplia de interpretações que mesmo versando na trivial luta do bem contra o mal, tinha como conclusão a amizade sincera que só putos sabem cultivar.
A voz metálica do comboio anunciava a próxima estação e eu sabia que era tempo de fechar o caderno, guardá-lo no saco e fazer sinal aos sonhos, os mesmos que me abandonaram, para que saltassem de novo para o meu bolso.
Uma das várias vantagens de quando andava de comboio era permitir-me passar em locais onde as árvores me viram crescer.
Ainda ensonado passava em frente à rua onde morei vinte e cinco anos, no beco para lá de uma curva que, em criança, não me permitia ver a pequena casa azul do fundo, a minha, o casulo de onde nunca deveria ter saído, amparado que estava pelas silvas, pessegueiros selvagens, pinheiros, eucaliptos e o apaziguante curioso latir das raposas bebés que procuravam comida nos restos que deixávamos no monte. Antes, sem nome, possuía a identidade de cada um que lá vivia, agora possui apenas o longo e descaracterizado nome de Travessa da Avenida de um Barão que nunca conheci. A mata que a ladeava, antes com mimosas, austrálias, fetos, mato e giestas, está agora despida, apenas com tocos de eucaliptos, resistentes, mantidos a troco de questões humanas que, sinceramente, não entendo, com as suas raízes que antes moldavam o caminho de terra onde brincava com os carrinhos improvisados e que, agora, elevam paralelos e continuam a decorar as antigas habitações com sulcos nas paredes.
Ao ver o monte despido, com um aspecto limpo, tal como deveria estar todos os montes deste país, não conseguia deixar de questionar-me como foram capazes de caber tantos sonhos num espaço tão pequeno?
A vantagem de sermos crianças é que somos coreógrafos sem o sabermos, moldamos com a imaginação cenários tão distintos quanto reais e, o curioso, é que apesar de tão distintos os putos amigos, o cenário construído era apenas um.
Naquele espaço couberam constantes seis putos a brincar, com participações esporádicas de outros miúdos, mais novos e mais velhos. Naquele pequeno pedaço de terra fomos heróis e vilões, índios e cowboys, polícias e ladrões e toda uma panóplia de interpretações que mesmo versando na trivial luta do bem contra o mal, tinha como conclusão a amizade sincera que só putos sabem cultivar.
A voz metálica do comboio anunciava a próxima estação e eu sabia que era tempo de fechar o caderno, guardá-lo no saco e fazer sinal aos sonhos, os mesmos que me abandonaram, para que saltassem de novo para o meu bolso.
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