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A mostrar mensagens de novembro, 2015

Desacordadamente

Crónica de Domingo na Bird Magazine . Existe uma forma simples de começar o dia, acordando. Parece-me que a fórmula para a vida se baseia nisto mesmo, acordar. E nestas questões matutinas, seja lá o momento em que despertamos, parece-me que envolve um amanhecer para cada pessoa. Por exemplo, eu acordo apenas quando me permito andar, ainda que mancando, como agora, fruto de uma herniação discal bastante chata e dolorosa, saio do asfalto ondulado a que comparo com uma vaga ondulante no Atlântico e, alçando a perna, passo para a terra castanha, saibrenta, com restos de tonas ou cascas dos eucaliptos, pequenas pedras e raízes resistentes de árvores e arbustos que não existem mais, a que comparo ao extermínio da bondade humana pela ceifa certeira e acutilante no silêncio entre as imagens estáticas que a televisão nos vai permitindo cegar. Só aí, no monte, no cheiro a terra molhada que trago no palato, ainda que esteja, como agora, um Sol de Inverno ainda que seja Outono e eu, no te...

“Trigo e joio musical”

Crónica de Domingo, na Bird Magazine . - Parece-me que o fim está próximo. O semblante não preocupado de quem profere afirmação apocalíptica surpreende. - Porque dizes isso? Continua calado, a soprar a espuma que flutua sobre o café negro na caneca larga de metal e perdido um pouco nos pensamentos que só ele poderá saber ter. Levantou-se, com a caneca presa pelas pontas dos dedos, o vapor sobe pela palma da mão e sai por entre os dedos e, de repente, é como se aquela mão grande se parecesse com uma floresta na bruma, envolta em nevoeiro espesso que se vai dissipando quando meia dúzia de raios solares penetra árvores e raízes adentro. Dá três passos para cada lado e imagino-o como um gigante pêndulo de um relógio afinado, comparação que se esmorece porque aqui, longe da tridimensionalidade, o tempo é um conceito que não existe, pelo menos no sentido lato a que nos habituamos. Olha para mim e com a cabeça aponta para fora da janela. Levanto-me e aproximo-me, limpo o embac...

Acompanhado

Crónica de domingo na Bird Magazine . O vento atira as nuvens na nossa direcção. O espanta espíritos espanta-se com as formas nubladas e tilinta-nos o entubado som ecoando por entre as memórias do que por aí vem. Levantas a tua caneca fumegante e ergues o braço, convidas, levanto a minha e sorrindo brindamos ao que quer que seja que nos une. O banco de jardim, inclinado, transformado em banco de alpendre, brilha ostensivamente a camada de verniz recente e ilumina-se quando a velocidade vertiginosa do longínquo raio chega ofegante na sua eterna ânsia de chegar antes do ribombar do trovão. Balanço o banco como sempre digo para outros não o fazerem. Ris-te. Lá vem vento novamente, o teu cabelo esvoaça e suspiras quando uns poucos se metem entre os teus lábios e o chã de cidreira, com açúcar obviamente, e os beberricas inadvertidamente. Nada mais faço que ver-te pelo canto do olho e rio-me sozinho, baixinho, levando a caneca à boca na esperança que não me vejas escarnecer,...
Agora que o dia ausenta as sombras vítreas que me nebulam, saio no vaguear da noite optando-me vagabundo, sem amaras que não a própria vida, vou lesto e nu porque nada me veste além da luminosidade obscura que orvalha dos candeeiros solitários. Dispo-me enquanto se vestem, do berço até aqui, peça a peça, para me deitar em palhas dormindo, a saga de levantar nada e querer poder tirar pele que seja, desabotoar corpo e salgalhar por aí como pétala ao vento em dia de tempestade. A meio caminho encontro outros, mesma direção sentidos diferentes, eu na ânsia de me livrar do supérfluo, outros na superfluocidade de se livrarem da ânsia, sigo confiante com o que me resta enrolado debaixo do braço e um abraço a tiracolo. Quão longe poderá estar? (fragmento III de crónica na Bird Magazine, 16/07/2017)
A goteira entre a chuva e o céu onde escorro sonhos aluviados afoga a memória de quem esqueceu a confiança não sacia desconfiados.

Santíssima trindade

in BirdMagazine . Não irá longe a alvorada agora que comecei a sonhar. Meti pés ao caminho, com permissão deste último, sem me preocupar com o lodaçal típico do pré-Inverno, nem tão pouco se os passos respeitavam ortografias recentes, não fosse eu visto a caminhar sem a permissão de caminhar segundo regras por quem deseja que nossos passos sejam todos iguais. Creio ter atravessado três longas rectas e já na nona curva sentia-me prestes a encontrar uma quarta, recta. Embora não a soubesse ali, chegava-me aos sentidos o forjado percurso de quem marca hora com o destino e este se atrasa. Cabendo-me pouco mais e, em verdade, pouco menos, que a basicidade vital com que me brindo a cada passado, um pouco arqueado pelo peso da leveza do ser, vou na esteira de uma urze enquanto me lembrar que por detrás dos meus olhos moram a violeta claridade de versos e personagens que, creio, moldaram as mesmas suas vidas por entre linhas condenadas a serem escritas. Não se cansa o cansaço com futilid...