Santíssima trindade
in BirdMagazine.
Não irá longe a alvorada agora que comecei a sonhar. Meti pés ao caminho, com permissão deste último, sem me preocupar com o lodaçal típico do pré-Inverno, nem tão pouco se os passos respeitavam ortografias recentes, não fosse eu visto a caminhar sem a permissão de caminhar segundo regras por quem deseja que nossos passos sejam todos iguais.
Creio ter atravessado três longas rectas e já na nona curva sentia-me prestes a encontrar uma quarta, recta. Embora não a soubesse ali, chegava-me aos sentidos o forjado percurso de quem marca hora com o destino e este se atrasa.
Cabendo-me pouco mais e, em verdade, pouco menos, que a basicidade vital com que me brindo a cada passado, um pouco arqueado pelo peso da leveza do ser, vou na esteira de uma urze enquanto me lembrar que por detrás dos meus olhos moram a violeta claridade de versos e personagens que, creio, moldaram as mesmas suas vidas por entre linhas condenadas a serem escritas.
Não se cansa o cansaço com futilidades.
O que ele deseja agora é descansar, talvez encostado a uma meda de feno, cobrir-se de colmo e adormecer com o olfacto carregado de rememorações prazerosas ondem cabem, ainda, outros corpos habitados por mais audazes espíritos que a vontade saloia de alimentar o corpo, cirrosar o fígado, cobrir as peles com peles de outras sebes e orlar a existência com uma aura resplandecente de nada.
Ainda as estrelas bruxuleavam baixinho por respeito ao dia que se punha, já os caminhos pareciam abrir passagem para quem se quisesse ver percorrido por onirismos catalogados pela natureza e não pelo homem, porque este último sonhava apenas o que lhe diziam para sonhar e se algum, na certeza da coragem, ousava sonhar diferente, todos lhe diziam para esquecer tal pesadelo.
Faço uma pausa para me ajustar à invulgar compleição de quem por mim passeia.
Em palhas deitado, em palhas dormindo, o metamorfismo montanhoso parece aspergir sobre ele o calor que se solta das pedras antes que este se estufe nas altitudes da bolha gasosa que nos envolve. Dorme como um anjo. Na verdade, não sei quem dorme, se ele, se eu, convidado a escrever passagens de vidas que tenho minhas por serem de outros.
Dormindo à noite se prepara o dia que aí vem.
Amanhã será dia de finados, de todos os santos, dos mortos e das vendedoras de flores em baldes largos de plástico, ladeados por colunas de velas de todas as cores e luminosidades. As portas dos cemitérios rangerão pouco habituados à procissão anual de assear pedras tumulares. Uma lápide básica terá apenas a pedra fina de granito toscamente trabalhado com uma inscrição em forma de coração, feita certamente com rebarbadeira em mãos destreinadas de polidor, e um bilhete em papel desbotado, dentro de invólucro de plástico com dizeres já apagados pelo Sol, ficando apenas o sulco que a caneta empurrada por punho trémulo deixou e o ainda gravado, tenho saudades tuas pai.
Vazios há muito, os cemitérios avivam-se para receberem a sensação de ausência que este mundo brinda a quem se julga mortal, voltam entes queridos partidos para afagar a saudade de quem por cá se julga imortal e ladeiam com o invisível amor todas as datas assinaladas pelos dias de partida.
Hoje sonhou que tinha estado no céu, que o céu não era o céu, e isso era o mais curioso. Sonhou que o feno onde se deitava era a penugem de uma fénix que renasceria não das cinzas, mas do ar fresco que a cristalinidade da sua inocência permitiria queimar, que o colmo que o cobre era na verdade a ausência que por breves momentos se fazia presente e o presenteava, de facto, com a implantação de pensamentos de dias vindouros que o permitiriam contornar dias e noites como simples estradas sem destino, porque o destino, sabia-o ele agora, apesar de dormir, é deixar de existir para poder Ser e isso, saberá quando acordar, fará mover montanhas e permitirá a omnipresença do indivíduo em todos os locais onde vai, mas onde não está.
Dorme.
Eu estou quase a acordar.
No amanhecer das minhas pálpebras, instantes antes de me saber neste mundo, novamente, reflicto na personagem sob o colmo, nas pessoas peregrinas da saudade, no mercantilismo da dor e na ocultação de uma verdade tida como mentira.
Vou acordar sobre a fraga que vê, ao fundo, serpentear um fio de água onde desejo molhar os pés e baptizar-me novamente.
E, depois, irei ajoelhar-me no chão, colocar as mãos na terra, fechar os olhos.
Perguntar-te-ei:
- Porque te moves tu, montanha, pela fé dos homens?
E sem que me respondas, pelo calor mineral que sobe pelas palmas das minhas mãos, ouvir-te-ei dizer:
- Movo-me porque tenho fé nos homens.
Não irá longe a alvorada agora que comecei a sonhar. Meti pés ao caminho, com permissão deste último, sem me preocupar com o lodaçal típico do pré-Inverno, nem tão pouco se os passos respeitavam ortografias recentes, não fosse eu visto a caminhar sem a permissão de caminhar segundo regras por quem deseja que nossos passos sejam todos iguais.
Creio ter atravessado três longas rectas e já na nona curva sentia-me prestes a encontrar uma quarta, recta. Embora não a soubesse ali, chegava-me aos sentidos o forjado percurso de quem marca hora com o destino e este se atrasa.
Cabendo-me pouco mais e, em verdade, pouco menos, que a basicidade vital com que me brindo a cada passado, um pouco arqueado pelo peso da leveza do ser, vou na esteira de uma urze enquanto me lembrar que por detrás dos meus olhos moram a violeta claridade de versos e personagens que, creio, moldaram as mesmas suas vidas por entre linhas condenadas a serem escritas.
Não se cansa o cansaço com futilidades.
O que ele deseja agora é descansar, talvez encostado a uma meda de feno, cobrir-se de colmo e adormecer com o olfacto carregado de rememorações prazerosas ondem cabem, ainda, outros corpos habitados por mais audazes espíritos que a vontade saloia de alimentar o corpo, cirrosar o fígado, cobrir as peles com peles de outras sebes e orlar a existência com uma aura resplandecente de nada.
Ainda as estrelas bruxuleavam baixinho por respeito ao dia que se punha, já os caminhos pareciam abrir passagem para quem se quisesse ver percorrido por onirismos catalogados pela natureza e não pelo homem, porque este último sonhava apenas o que lhe diziam para sonhar e se algum, na certeza da coragem, ousava sonhar diferente, todos lhe diziam para esquecer tal pesadelo.
Faço uma pausa para me ajustar à invulgar compleição de quem por mim passeia.
Em palhas deitado, em palhas dormindo, o metamorfismo montanhoso parece aspergir sobre ele o calor que se solta das pedras antes que este se estufe nas altitudes da bolha gasosa que nos envolve. Dorme como um anjo. Na verdade, não sei quem dorme, se ele, se eu, convidado a escrever passagens de vidas que tenho minhas por serem de outros.
Dormindo à noite se prepara o dia que aí vem.
Amanhã será dia de finados, de todos os santos, dos mortos e das vendedoras de flores em baldes largos de plástico, ladeados por colunas de velas de todas as cores e luminosidades. As portas dos cemitérios rangerão pouco habituados à procissão anual de assear pedras tumulares. Uma lápide básica terá apenas a pedra fina de granito toscamente trabalhado com uma inscrição em forma de coração, feita certamente com rebarbadeira em mãos destreinadas de polidor, e um bilhete em papel desbotado, dentro de invólucro de plástico com dizeres já apagados pelo Sol, ficando apenas o sulco que a caneta empurrada por punho trémulo deixou e o ainda gravado, tenho saudades tuas pai.
Vazios há muito, os cemitérios avivam-se para receberem a sensação de ausência que este mundo brinda a quem se julga mortal, voltam entes queridos partidos para afagar a saudade de quem por cá se julga imortal e ladeiam com o invisível amor todas as datas assinaladas pelos dias de partida.
Hoje sonhou que tinha estado no céu, que o céu não era o céu, e isso era o mais curioso. Sonhou que o feno onde se deitava era a penugem de uma fénix que renasceria não das cinzas, mas do ar fresco que a cristalinidade da sua inocência permitiria queimar, que o colmo que o cobre era na verdade a ausência que por breves momentos se fazia presente e o presenteava, de facto, com a implantação de pensamentos de dias vindouros que o permitiriam contornar dias e noites como simples estradas sem destino, porque o destino, sabia-o ele agora, apesar de dormir, é deixar de existir para poder Ser e isso, saberá quando acordar, fará mover montanhas e permitirá a omnipresença do indivíduo em todos os locais onde vai, mas onde não está.
Dorme.
Eu estou quase a acordar.
No amanhecer das minhas pálpebras, instantes antes de me saber neste mundo, novamente, reflicto na personagem sob o colmo, nas pessoas peregrinas da saudade, no mercantilismo da dor e na ocultação de uma verdade tida como mentira.
Vou acordar sobre a fraga que vê, ao fundo, serpentear um fio de água onde desejo molhar os pés e baptizar-me novamente.
E, depois, irei ajoelhar-me no chão, colocar as mãos na terra, fechar os olhos.
Perguntar-te-ei:
- Porque te moves tu, montanha, pela fé dos homens?
E sem que me respondas, pelo calor mineral que sobe pelas palmas das minhas mãos, ouvir-te-ei dizer:
- Movo-me porque tenho fé nos homens.
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