Dois relâmpagos e três trovoadas
Crónica, no Correio do Porto . O tempo, apesar de não existir, vai fazendo de cada um de nós o modelo para as suas pinturas. Crava uma ruga aqui, uma saudade ali, um qualquer padrão que nos embrulhe e entrega-nos à vida, apesar de não existir, para que ela se encarregue de nos unir num gigantesco mosaico, um dodecaedro cujas faces internas são o caleidoscópio das memórias. De todas as ambiguidades, a dualidade da vida vs tempo parece levar em si, bem escondida, todas as palavras que teimo em tentar compreender antes de escrever. Troco dois relâmpagos por três trovoadas murmurantes a quilómetros de distância. Ou, então, por um segundo de imortalidade nas rugas pintadas pelo tempo, esculpidas por mim, artesão de mim mesmo. Entro pelo sono abraçado à noite, na esperança de ela mesma, quando se cruzar no horizonte com o dia que nasce, lhe passe os sonhos que se diluem quando acordo. Nunca acontece. Acordo com o despertador e, nesse momento, tudo e todos que me rodeavam se assus...