“Entre mundos”
Dois
passos e estou no balcão.
Bom
dia!
Rio-me,
ri-se,
Boa
tarde e quase bom fim-de-semana!
Engano-me
ainda como adolescente, mas dou por mim a precisar de dar apenas dois passos
para chegar ao balcão, quando antes precisava de mais dois, esquecendo-me até
que agora tenho que me vergar para a senhora do balcão dos CTT me ouvir, quando
antes tinha que me colocar em bicos de pés.
Por
vezes, ou sempre, é assim, transportado para um mundo mais pequeno, mais baixo,
acordado na casa dos enta, sem me lembrar de cá ter estado antes, como se à
saída da agência dos CTT estivesse a minha bicicleta e uma data de amigos à
espera para ir tomar banho ao rio.
Até
as mãos no teclado, que parecem nascidas com ele, sorriem quando me olham,
vendo-me crescer segundo-após-segundo, afagando-me a cara quando tenho frio ou
simplesmente escrevendo coisas que leio e que me fazem compreender o mundo, ou
o balcão.
Oscilando
entre infinitos mundos, é como se todos eles estivessem em mim...
E
ontem, ontem pensei em ti e vi um arco-íris.
Emocionei-me.
Coisa
de gente que fala de mãos e olhares.
Pensei
que eras tu, pensei se estarias a ver-me, se estarias simplesmente a piscar-me
o olho ou se estavas a exibir as cores que eu jamais te poderia dar.
Deixo
as mãos no teclado, o corpo todo imóvel, o computador ligado e saio para a rua.
Está
frio, outros corpos defendem-se do vento, que passa a correr e pisca-me o olho.
Olho
o céu, o destino faz puzzles com as nuvens cinzentas, que teimam em não ficar
no mesmo sítio.
Não,
não é a mesma coisa que lentamente hipnotizar o limpa pára-brisas em dias de
chuva com os grossos flocos de neve no Marão ou Alvão, mas percorrer a estrada,
com temperatura de tarde de Setembro, apesar de noite de Primavera, com o vidro
aberto e fazer de conta que os faróis são estrelas, que se movem aos pares,
algumas vezes em pares de um, faz-me sentir bem apenas porque sim.
Trago
um silêncio comigo e partilho-o com quem quero, deixo-o percorrer e envolver
quem não o ouve, apenas porque houve um som, algures, que não ouvi.
Começo
a ouvir a bicharada nocturna e a ver, ao Luar, as sombras dos campos e do que
lá está plantado e é como se no meio deste restolho que há-de vir, já eu me
levantasse, espreguiçasse, erguesse os braços, perdão, os ramos, ao ar e
dissesse: nasci!
Mas
nascer, nascer, nasci há alguns anos, com memórias e saudades de sítios que
nunca estive nestes anos de encadernação, sem me espreguiçar, apenas com um
lento recordar de quem sou, de onde vim e, curiosamente, sem saber muito bem
para onde ir, com a certeza de não encontrar, aqui ou ali, caminho que me
galgue.
Estas
palavras grudam-se, atropelam-se, é uma saudade do futuro, um pensamento sobre
um pensamento, que conduz a um pensamento, que por sua vez gera outro pensamento,
é um pensamento imenso e de repente sou eu.
É
esta necessidade de escrever, no papel e no tempo, nas pessoas e nas ausências,
que me vai consumindo, a noite e o dia, sem que anoiteça ou amanheça desde que
nasci.
Vou
e, ao mesmo tempo parado, é como se já lá estivesse chegado e, sorrindo
sozinho, tivesse constatado que afinal, nos deves e haveres, fui dar ao sítio
de onde nunca saí.
Volto
para aqui, ajeito-me ao meu próprio corpo, encaixo os dedos nas minhas mãos e
termino o texto.
Sou feliz, entre mundos, entre mim.
Sou feliz, entre mundos, entre mim.
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