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A mostrar mensagens de abril, 2014

Cont(estacão)

Contesto a decisão do meu corpo em querer dormir. Há tanto céu nocturno por escrever. Ainda que dormindo me desprenda deste corpo e vagueie por aí, nunca encontro as palavras que, construindo-as, completem as frases que trago agarradas à minha ânsia de acordar, do sono e da vida. Oro. Vigio. Para descobrir que a oração é-a sem a ser e a vigília começa quando adormece o último vigilante. Valha-nos ou valha-me a retina, a porta da alma que não esconde quem por detrás da vida vive ou deixa viver, para saber, aqui sentado comigo e com a melhor parte de mim, todos somos começo que jamais conhecerá fim.

Dest(r)e lado

Acredito que um dia, embora não o mereça, e talvez sem saber como, me deite ao sol e pela claridade apanhe todas as estrelas que a minha pacata ilusão alcança. Talvez os mais desatentos nem se apercebam, outros sentirão algo de diferente quando o nocturno céu calvo de nuvens não lhes soslaiar uma pinta ou outra luminosa. Talvez o primeiro amor no luar de janeiro, sem o habitual filigranado estrelar, se aperceba que já não existem estrelas no céu. Talvez se indaguem as mentes mais científicas sobre tal fenómeno, que varreu de uma só vez e de um só hemisfério todas os corpos celestes providos de luz própria. Que distorção temporal provocaria o desaparecimento simultâneo de estrelas separadas por diferentes UA? Não, não se indague ninguém. As estrelas continuarão luzidias, piscando timidamente, seguras no firmamento, configuradas talvez noutras constelações, a olhar para este pequeno berlinde azul e a pensarem, entre elas, condescendentes, que de toda a criação, uma única continua a orbi...

M(um)dos

Guardo, enterrado em mim, enquanto prendo os pés descalços à terra ainda molhada, a esperança de um dia a chuva me fazer melhor que ser humano, talvez planta, sem raízes, talvez silêncio que espante e acalente infelizes, talvez eu, que guardo em mim, entre o nada e o nenhum, o calor da terra que respira, ainda, o ar que expiramos, e o poema construído por quem de dois se faz um.
Concretiza-me a ideia de o segundo seguinte não se explorar além do primeiro. Hoje olhar, amanhã folar, de preferência nas mãos de garoto, sorriso fácil e face escondida atrás de uma timidez mascarada de rebuçado. Quanto de infância um infante por viver, ladeado de margens sem ser rio, apenas meninice, inocência, sem frio.

Pe(gadas)

Amanhã, que não existe ainda, vai certamente ver as mesmas pegadas de hoje, as que premi ao de leve no chão para não acordar a terra. Fico atento aos longos pensamentos que vou urdindo e, depois, solto à desgarrada para que amanhecam onde quiserem ser aurora. Só assim me encontrarei, amanhã, que não existo ainda. Trato como um filho hoje o amanhã, que não existe ainda, adormece contra o meu peito enquanto afago no lugar vazio o rosto que surgirá amanhã. Acho que nunca nos cruzamos, no momento em que nasce o amanhã e a face começa a florir como um pequeno espectro curvado pelo horizonte, já eu sou apenas mão, dedos que se esvaecem enquanto o hoje não é ainda totalmente amanhã e ontem se apressa a crescer de dentro de mim para fora até se fazer hoje. Não, não acredito no tempo, apenas no infinito que se apressa do falado ao dito para me entrar em forma de amor peito adentro.

Lábios

Pela preciosidade do artesão se valoriza o labor de um par de mãos. Que dinheiro pagará o pôr-do-sol aos olhos e outros sentidos que dedicam um milionésimo de disparidade temporal a contemplar o inefável? Haverá quem pague com a vida a própria Vida?
Subirei, de novo, dois degraus de uma vez só, como catraio, sem me preocupar com a distância ou o balanço a tomar. Dois degraus. Um salto de criança num passo de homem. Não passaram de lages, granitos, corredores onde gritos sofreram em silêncio, ajoelhados a pecados que não os seus, eis-me prostrado dignamente, Diz-me, no conforto do que sou, que queres de mim, meu Deus?

Aguas 1000

Repete-se a história, Morte ou glória, Uma sombra colorida no chão, Estes vultos querem apenas circo, pão. Dos pais de um Abril orfão Restam apenas cartazes, As leis e os polvos vorazes, Quem nos alivia deste tição?