Passadeira dos sorrisos

O tempo chuvoso arrasta consigo muitos e muitos sorrisos... A maior parte das vezes só é necessário saber onde procurar, saber puxá-los às tenebrosas sombras que envolvem as pessoas... E eles estão logo ali, ao virar de cada esquina, na pessoa que espera, à chuva, uma oportunidade para atravessar a estrada, com chinelos (daqueles negros, que se compravam na feira, típico das mulheres do campo), os pés molhados, olhos semicerrados devido à chuva que fustiga, que magoa. Páro o carro, levanto a mão esquerda fazendo sinal para a senhora passar e eis um sorriso! Um sorriso que rompe o negro dos pensamentos perdidos... E mais à frente, outro sorriso e outro e outro! Estão lá, à espera que eu passe por eles e os convide a bailar nos meus olhos...
Por vezes páro para alguém passar, mas apenas depois compreendo que é um vulto, que não me vê, que não se vê, e sigo viagem...
Os putos correm e fogem da chuva, abrigam-se uns aos outros, com pesos de conhecimento às costas, com sorrisos matreiros às meninas que passam, encolhidas, umas contra as outras, sob o mesmo guarda-chuva...

Um ou outro carrinho passa guiando mais uma ou outra pessoa apanhada no consumo do supérfluo, fugindo à chuva...

O meu vidro começa a ficar embaciado, abro um pouco o vidro... Estas bolas ou lá o que são teimam em correr à minha frente, por vezes fortes, tão fortes que me fazem ferir os olhos.

A estrada deixa salpicar a água, salta para os lados à medida que as rodas a calcam e calam, num silêncio abafado... Outros carros cruzam-se comigo e levam dentro caras fechadas e sisudas...
Um trovão faz-me voltar à realidade, à vossa realidade e antes que as palavras fujam para a companhia dos sorrisos, eu escrevo-as aqui...

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