Feito cão
Eu "feito cão" em Crónica do Nada, no Correio do Porto, aqui.
Há cães feitos gente, reviram lixo.
Assentes nas patas traseiras, abocanham as sacas de lixo que, ao infalível olfacto deles, lhes parece ter algo de alimentar.
Não que os cães saibam o que é alimentação, roda dos alimentos, caviar ou bacalhau, fastfood ou food propriamente dita.
Eles, cães, têm o seu sentido de preservação, que não inclui obviamente desviarem-se de grandes veículos em movimento ou de certas e determinadas pessoas, os desumanos, mas é este sentido de preservação do seu canídeo corpo que lhes faz percorrer distâncias até encontrar um aleatório maná.
São eles gente, despojada, transportando nos olhos ainda sonhos, seja em forma de roda gigante a abocanhar, seja no símbolo universal do osso, branco, cheiinho de tutano.
De cabeça baixa, vejo-os mastigar o plástico, a roer cartão da caixa da pizza, e depois imagino-os rindo sorrateiramente, enquanto a noite se espreguiça pelo dia fora, a deitarem-se num local de erva quente ou num buraco de terra que o sol aqueceu.
Acredito que lhes faça falta uma mão a deslizar pelo pelo, a coçar atrás das orelhas, a acariciar o ventre quando eles, confiança ganha, se viram de patas no ar para nós, como quem diz, aqui está um amigo.
Há uma certa simpatia, minha, pelos canitos vadios, bem tratados pelo tempo e afagados pela Natureza.
Alguns imitam bem o homem, matreiros e alcoviteiros, parecem farejar o medo e a ingenuidade e, zás, rasgadela na carne que do barro se fez pessoa.
O vento serrano açoita o próprio frio e um cão da serra, enjaulado, dorme alheio à avalanche de turistas, a pessoas que, com o dedo por entre as grades, o tentam acordar.
Deve haver algo em nós, inumanos humanos, que faz de tudo o que não é bípede sem inteligência subespécie, como se todos os que habitam este planeta fossem como eles, nós, desprovidos de sentimento e emoção, sem qualquer direito a andar por aí apenas por andar.
Dentro de momentos, já eu sou cão ou, melhor ainda, faço uma lareira, abrigada do vento, pode ser num buraco de terra que o sol aqueceu, e deito-me no chão, barriga para o ar, feito cão.
Há cães feitos gente, reviram lixo.
Assentes nas patas traseiras, abocanham as sacas de lixo que, ao infalível olfacto deles, lhes parece ter algo de alimentar.
Não que os cães saibam o que é alimentação, roda dos alimentos, caviar ou bacalhau, fastfood ou food propriamente dita.
Eles, cães, têm o seu sentido de preservação, que não inclui obviamente desviarem-se de grandes veículos em movimento ou de certas e determinadas pessoas, os desumanos, mas é este sentido de preservação do seu canídeo corpo que lhes faz percorrer distâncias até encontrar um aleatório maná.
São eles gente, despojada, transportando nos olhos ainda sonhos, seja em forma de roda gigante a abocanhar, seja no símbolo universal do osso, branco, cheiinho de tutano.
De cabeça baixa, vejo-os mastigar o plástico, a roer cartão da caixa da pizza, e depois imagino-os rindo sorrateiramente, enquanto a noite se espreguiça pelo dia fora, a deitarem-se num local de erva quente ou num buraco de terra que o sol aqueceu.
Acredito que lhes faça falta uma mão a deslizar pelo pelo, a coçar atrás das orelhas, a acariciar o ventre quando eles, confiança ganha, se viram de patas no ar para nós, como quem diz, aqui está um amigo.
Há uma certa simpatia, minha, pelos canitos vadios, bem tratados pelo tempo e afagados pela Natureza.
Alguns imitam bem o homem, matreiros e alcoviteiros, parecem farejar o medo e a ingenuidade e, zás, rasgadela na carne que do barro se fez pessoa.
O vento serrano açoita o próprio frio e um cão da serra, enjaulado, dorme alheio à avalanche de turistas, a pessoas que, com o dedo por entre as grades, o tentam acordar.
Deve haver algo em nós, inumanos humanos, que faz de tudo o que não é bípede sem inteligência subespécie, como se todos os que habitam este planeta fossem como eles, nós, desprovidos de sentimento e emoção, sem qualquer direito a andar por aí apenas por andar.
Dentro de momentos, já eu sou cão ou, melhor ainda, faço uma lareira, abrigada do vento, pode ser num buraco de terra que o sol aqueceu, e deito-me no chão, barriga para o ar, feito cão.
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