Translação instantânea

Crónica do Nada, para ler no Correio do Porto.

Durmo baixinho, entro no sono sem que ele se aperceba, encontro à minha espera um longo caminho que me levará ao meu verdadeiro útero.
Vou voltar por entre pétalas, em poesia que floriu sem que de mim nascessem flores ou mãos.
Emudecido caminho até ao acordar, triste por saber que mesmo não glorificando a dor, há algures aqui um verso a doer, talvez por isso passe anos a ver os dias passarem. 
O corrupio e sucessão de voltas e subidas e descidas do Sol e o quanto isso afecta as pessoas assoberba-me. 
Continuo a ficar encantado e surpreendido com as nuvens, raios de trovão com duração de longos segundos, pequenos rios de chuva com pepitas de granizo, persistentes a boiar na correnteza, caruma e terra solta com saudade de água, fazem subir ao palato aromas de terra, molhada, paciência e persistência que parecem inundar Trás-os-Montes.
Vou lavando a cara com as memórias de paisagens que se fazem correntes. 
Para mim, um dia duraria um ano. 
E nesse ano iria percorrer a pé todos os trilhos que pudesse degustar, parar numa berma e sentir o vento quente, fresco, todas as estações à sombra de uma vinha, mil mundos num só bago de uva. 
E nesse ano, metade dos dias seria noite e aí, por ela dentro, teria em mim as saudades de casa no cintilar das estrelas. 
Deixar que a nuvem se delicie em sombras pelas nuvens e se deixe ocultar pelas formas cinzentas e azuis que parecem saídas do sonho de um pintor em constante revolução.
Será amanhã outro ano. 
Espero poder polvilhar as mãos com a poeira que ainda me resta no corpo e esperar, impaciente, pelo retorno dos dias que não se medem.





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