Quase tudo de todos

Crónica de domingo, na Bird Magazine.

A que lado da vida se encosta a tarde?
Percorrerão os passos o caminho que os olhos tentaram adivinhar? Teríamos imensos destinos num simples sulco na mão?
A que lado de mim se encosta a interrogação?

Ardem-me os olhos e, no entanto, vejo como se fosse já amanhã e todas as urgências se resumissem a um final de tarde numa sombra, onde trinam jovens casais enamorados e o passado não surja escamoteado de saudade. 
Que farei eu às palavras que não conseguirei proferir porque me embola a boca com o ar pesado que sai dos pensamentos da multidão que se aglomera à entrada do abismo? 
A cada passo ergo a Lua e a cada curva o calor da noite nas pedras da tarde aquece-me o imaginar. 
Por vezes, sou quase pessoa.

Na ascensão do que julgamos impoluto, há uma miríade de perpendicularidades que se destinam a fazer-nos angulares, sem uma aresta imperfeita, coisas que a matemática nos faz sem necessidade, pois seremos já uma conta perfeita, à procura da subtracção que nos permita dividir um dia por inúmeros cálculos sem sentido. 
No dia em que me somei, não encontrei na inversidade calcular o resultado sentado à direita do sinal. 
Não seremos já o resultado de uma conta inacabada? 
Só por hoje, faz de conta...

Há um pequeno ribeiro que desagua na almofada, diria que o dia está com sono e a maré alta da ressureição traz à vida os sulcos dos montes onde cresce a torga e o nome é fraco espelho da pretensão de ser rima. 
É por nada aprender que tudo se ensina. 
Vou dar a volta à nuvem onde me sento, ainda há pessoas com a textura do algodão doce, pudera eu fosse, sabor e louvor, para ostentar a pintura de um socalco que se pariu sem dor. 
Sou da terra, do laço do passarinheiro, quando ao lado caem à dezena de milhar, que unguento guardo para desenhar na terra o sol que deseja brilhar?
Já o sonho espera ao fundo da cama, aqui só a noctivagueidade tem prioridade sobre o torpor lento que adormece. 
Como eu. 
Como o céu.

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