Geografia

“Geografia", felizes encontros na minha secção Crónica do Nada, no Correio do Porto.

Estaciono sob os chilreios floreados de plantas que desconheço, atrás do gradeamento que sorri metalicamente com as brincadeiras dos miúdos na hora do intervalo entre aulas. Está o planeta, pelo menos neste hemisfério, na Primavera, assim como a canalhada, floreando, sem grandes preocupações com os Outonos futuros que lhe trarão tonalidades acinzentadas.
Aguardo à entrada que me atendam. A porta aberta ao público obriga-se a controlar fluxo de entradas e saídas, o progresso chega a todo o lado. Contei vários equinócios de Março, já, no entanto, vejo-me sempre criança à porta de uma escola, como se o tempo me conhecesse apenas agora, miúdo, sem nunca saber fazer-me graúdo.
Envergonhado, vou percorrendo memórias de Abril por quem nunca as viveu, senão pelos cravos dos livros de História. Escondo-me atrás da aparência adulta, rodeiam-me sonoridades e trinados que sobem e descem patamares, degraus, abrem portas, fecham cadernos, vagueiam entre imaginações infantis sem a soturnidade adulta.
É igual à minha, a escola, onde me pergunto ainda o que quero ser quando for grande, a casa comum a todos e, à sua própria maneira, de cada um. A minha, tem ainda a secretaria, a escadaria, as paixões passageiras, as descobertas de um mundo que me habituei a orbitar sem propriamente cá estar, o acesso ao inalcançável reduto das salas dos professores onde hoje, eu ainda tímido, me servem um café e ausculto as visões de um caminho encantado, que me levou ao encontro do, sempre ele… sempre ele, silêncio.
As faces conhecidas convergem em sorrisos. Retribuo sem saber o que proferir, além da sombra dos ramos, na incerteza de pertencer ao corredor que me leva à próxima disciplina que o horário assim me ditar.
À distância temporal de três décadas e meia, reconheço uma professora minha, Geografia, como para me recordar de onde venho e para onde vou (será por isso que nem sempre saiba onde estou?). Encontro palavras suficientes por entre a timidez, sem saber se as profiro em tonalidade audível e vou tendo um diálogo desnivelado, pois apesar do tempo me esticar, quase, às ombreiras das portas, quando ao lado de quem se estima, sinto-me amancebado, com receio que me perguntem o que quer ser quando for grande. Não há escala para trazer à realidade o que um registo sem mapa traça, mas nos olhos brilhantes de ambos, certamente os meus mareavam, procurando memórias que equilibrem e validem que o tempo, de facto, passou por entre todos nós, façamos o caminho acompanhados ou sós.
Neste caminho de encanto pelo adro onde me exponho em palavras, ainda que não as profira, percorro-me como se tivesse programado trazer-me aqui, a uma manhã solarenga primaveril, sentindo-me à altura da professora da minha adolescência, talvez por estar na escadaria da escola, dois degraus abaixo. Geografando as minhas memórias nos interflúvios dos sorrisos, agradecido e emocionado, despeço-me carinhosamente com dois beijos e um abraço, encomendado por um sussurro do lado de lá da escola a que chamam vida. 



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