Sozinho, ainda assim
“Sozinho, ainda assim”, crónica no Canal N.tv
Sozinho.
Um quarto duplo aumenta a solidão depois de um dia de trabalho.
Cansado.
Após um banho e telefonema para casa, o cadeirão ausculta a noite e, cinicamente, a emissora regional transposta os anos 80 para o presente ao som de So far away dos Dire Straits, embora o verso «Here I am again in this mean old town» não seja muito justo com esta aprazível cidade do interior que, como tantas outras neste rectângulo à beira-mar plantado, tentam atrair os incautos sobreviventes da vida confiando-lhes em vários placards a qualidade de vida que aqui se vive. Sem par no País (escrevo país com letra maiúscula ou minúscula?).
Saiu ontem, quarta-feira, no carro da empresa, viagem longa para trabalho curto.
Apreciou a paisagem, as aldeias, vilas e cidades quase sem pessoas, os montes íngremes, os restos de vegetação que resistiram aos incêndios, os carros velhos e os semáforos de controlo de velocidade que não funcionam.
Adorando Trás-os-Montes, faz-lhe confusão os montes íngremes e agrestes da Serra. Estrela, chamam-lhe.
Chovia lá fora, dentro do quarto chegava o rio murmurando e mais nenhum som, em profundo contraste com outras localidades, incluindo as que trazemos dentro de nós.
O ritmo pachorrento do dia e o silêncio da noite, fazem acreditar que ali, de facto, a qualidade de vida deve ser boa.
Nada de polícias ou ladrões. Nem amigos ou intrujões.
Apenas uns cães vadios, um deles com um saco de plástico, verde, na boca.
Agora uns relâmpagos que caem nuns pinheiros e nuvens negras.
Terminou a música num desvanecer harmónico que traz o sono pela serrania.
Sozinho, ainda assim.
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