Silêncio tonitruante
“Silêncio tonitruante”, crónica de Domingo, na Bird Magazine.
Habituamo-nos ao silêncio e quando este deixa de se fazer ouvir, a sua ausência é ensurdecedora. Felizmente, as gotas que se esbatem na soleira, quente pelo ensolarado nevoeiro que cobriu o primeiro dia de Verão, e no ferro, também quente, empoeirado, musgado, corroído às sardas, ondulam a sonoridade, mecanicamente trazendo na sua transversalidade o que vibrará no meu tímpano e na miríade de ossos minúsculos com que Deus me votou ao mundo, e à surdez.
Sem grande roteiro, o caminho faz-se rotineiro, como mencionei atrás, habituamo-nos ao silêncio de tal forma que é nele, pelo menos para mim, que encontro a voz inaudível e, por isso, verosímil, que vai sussurrando a chuva e o céu raiado, onde aleatórios relâmpagos percorrem como sôfregos cavalos selvagens, indomáveis, irregíveis, e deixando no rasto o ribombar da liberdade e que me cai pelos ombros abaixo como um jugo.
Começo a degustar a pálida timidez de tudo o que me chove, gosto da aridez das palavras que ouço, permitem-me camuflar o silêncio e apreciar ainda mais os valorosos momentos em que me despeço das despedidas e as deixo serenas, em paz, à espera de um outro capataz.
Os dias parecem querer ocupar duas rotações de uma só vez e, talvez por isso, os anos pareçam encurtarem-se à medida que nos aproximamos da distância que nos separe de nós a nós mesmos.
Sem que me vejam, descerro a cortina, mas não completamente. Há sempre um pouco de silêncio que permanece, ou um pouco de silêncio onde permaneço, uma penumbra auditiva na qual permito falar-me sem que me ausculte o pressuposto.
Por isso o caminho está para mim como eu estou para o caminho, pendente de cadência e cadente de pendências, como estrelas num céu diurno, lá, sem se verem, a brilharem um lusco-fusco que ninguém poderá admirar. Há uma promessa no ar. Deduzo serem passos de um novo silêncio a chegar.
Assim, por clemência divina, em quem não creio acreditar, voto-me à simplicidade da pobreza para sentir que envolta no silêncio é onde mora a riqueza.
É por tudo e por nada que não ouço, mas escuto, a frequência de universo impoluto, entregando-me à harmonia deste fim de dia, caindo-me na precipitação de um solstício, eu e comigo em armistício, na paz tumultuosa de uma guerra travada no adiantamento do passado que corre e tropeça no tempo.
Gostava, enfim, que as palavras não me metaforizassem e se limitassem a escrever que, do lado de cá da atmosfera, há quem se preocupe se as estrelas brilham por brilhar ou se as palavras são como o silêncio e em silêncio tonitruante devam ficar.
Habituamo-nos ao silêncio e quando este deixa de se fazer ouvir, a sua ausência é ensurdecedora. Felizmente, as gotas que se esbatem na soleira, quente pelo ensolarado nevoeiro que cobriu o primeiro dia de Verão, e no ferro, também quente, empoeirado, musgado, corroído às sardas, ondulam a sonoridade, mecanicamente trazendo na sua transversalidade o que vibrará no meu tímpano e na miríade de ossos minúsculos com que Deus me votou ao mundo, e à surdez.
Sem grande roteiro, o caminho faz-se rotineiro, como mencionei atrás, habituamo-nos ao silêncio de tal forma que é nele, pelo menos para mim, que encontro a voz inaudível e, por isso, verosímil, que vai sussurrando a chuva e o céu raiado, onde aleatórios relâmpagos percorrem como sôfregos cavalos selvagens, indomáveis, irregíveis, e deixando no rasto o ribombar da liberdade e que me cai pelos ombros abaixo como um jugo.
Começo a degustar a pálida timidez de tudo o que me chove, gosto da aridez das palavras que ouço, permitem-me camuflar o silêncio e apreciar ainda mais os valorosos momentos em que me despeço das despedidas e as deixo serenas, em paz, à espera de um outro capataz.
Os dias parecem querer ocupar duas rotações de uma só vez e, talvez por isso, os anos pareçam encurtarem-se à medida que nos aproximamos da distância que nos separe de nós a nós mesmos.
Sem que me vejam, descerro a cortina, mas não completamente. Há sempre um pouco de silêncio que permanece, ou um pouco de silêncio onde permaneço, uma penumbra auditiva na qual permito falar-me sem que me ausculte o pressuposto.
Por isso o caminho está para mim como eu estou para o caminho, pendente de cadência e cadente de pendências, como estrelas num céu diurno, lá, sem se verem, a brilharem um lusco-fusco que ninguém poderá admirar. Há uma promessa no ar. Deduzo serem passos de um novo silêncio a chegar.
Assim, por clemência divina, em quem não creio acreditar, voto-me à simplicidade da pobreza para sentir que envolta no silêncio é onde mora a riqueza.
É por tudo e por nada que não ouço, mas escuto, a frequência de universo impoluto, entregando-me à harmonia deste fim de dia, caindo-me na precipitação de um solstício, eu e comigo em armistício, na paz tumultuosa de uma guerra travada no adiantamento do passado que corre e tropeça no tempo.
Gostava, enfim, que as palavras não me metaforizassem e se limitassem a escrever que, do lado de cá da atmosfera, há quem se preocupe se as estrelas brilham por brilhar ou se as palavras são como o silêncio e em silêncio tonitruante devam ficar.
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