Em passos de gigante
"Em passos de gigante", a crónica de Domingo, na Bird Magazine.
Era dia 22 de Julho de 2007 e estava pacientemente à espera que chovesse.
Por vezes é a única forma que encontro de tirar-me as memórias, porque os sonhos que estão no fundo de mim brotam quando chove, impelindo tudo o que esteja por cima deles. Está vento, o céu ameaça chover, brinca comigo, ouço música e procuro, desesperadamente, preencher todos os meus recantos com vida.
Vejo os eucaliptos, as nuvens cinzentas atípicas de Verão, alguns telhados ao longe e nada mais. Sem chuva os sonhos não nascem e, assim sendo, as memórias não me vêm aos olhos.
Consulto o meu caderno, o pequeno livro de memórias que muitas das vezes não são minhas. Encontro um ou outro episódio e tento vivê-lo novamente. Começo a ver-me percorrer as estradas de Valpaços, percorrer freguesias como Lameirão, Vassal, Rio Bom, Alto de Penalva, Argemil, Argeriz, Possacos, Fornos do Pinhal, Vilarandelo, com um mapa na mão e a tentar perceber o porquê das comunicações não funcionarem. O telemóvel ficou sem bateria e mesmo que a tivesse de nada valia, pois não há rede que penetre a limpidez daquelas paisagens. Olho ao longe e vejo as nuvens que parecem pousadas sobre um vidro, invisível, com os seus cumes majestosos. Venta e eu sorrio, levo o vidro do carro aberto, passa um tractor por mim, com um cavalo amarrado, o som do motor com o trotar do cavalo cria uma música que não me canso de ouvir.
As faces parecem muito mais límpidas e sãs e só me apercebo o quanto gosto delas quando retorno ao Porto e percorro, de autocarro, as ruas desta cidade que adoro. As conversas, os olhares, os gestos, as pessoas parecem envolvidas por uma neblina cinzenta, sem vida ou brilho e isto causa-me mais impacto porque ainda trago comigo os sorrisos das pessoas do interior.
Lá em cima, até o Sol parece brindar a paisagem com algumas pinceladas de génio. Vejo a forma como o Sol ilumina alguns pormenores de casas abandonadas, mas apercebendo-me que poderia estar melhor, saio do carro e com cuidado, para não me queimar, mudo um pouco o Sol da posição em que se encontrava, et voilá, o toque que faltava! Entro novamente no carro e continuo na estrada. Por vezes imagino-me gigante, só assim conseguiria preencher e saciar esta vontade de estar em vários locais ao mesmo tempo. Olho para uma montanha e vejo-a mexer, começar a erguer-se como se fosse um gigante adormecido. Começo a caminhar, com cuidado para não pisar as casas, ajoelho-me para ver se a água de um rio está frio e sorvo alguma. Vejo uma ou outra pessoa cansada, com calor, num campo árido e erguendo o braço arrasto uma nuvem que passava, para dar um pouco de sombra àquela criatura. Quando cansado deito-me junto de outros gigantes e adormeço, para acordar de seguida com as cócegas que os pinheiros me fazem no nariz e se acordo e uma estrela me olha nos olhos, levanto-me com cuidado para não fazer tremer a terra e salto para lá, para outros mundos.
Hoje é 27 de Abril de 2018. Há vento. Apenas. Nem palavras. Nem silêncio. Nem chuva. Nem eu.
Era dia 22 de Julho de 2007 e estava pacientemente à espera que chovesse.
Por vezes é a única forma que encontro de tirar-me as memórias, porque os sonhos que estão no fundo de mim brotam quando chove, impelindo tudo o que esteja por cima deles. Está vento, o céu ameaça chover, brinca comigo, ouço música e procuro, desesperadamente, preencher todos os meus recantos com vida.
Vejo os eucaliptos, as nuvens cinzentas atípicas de Verão, alguns telhados ao longe e nada mais. Sem chuva os sonhos não nascem e, assim sendo, as memórias não me vêm aos olhos.
Consulto o meu caderno, o pequeno livro de memórias que muitas das vezes não são minhas. Encontro um ou outro episódio e tento vivê-lo novamente. Começo a ver-me percorrer as estradas de Valpaços, percorrer freguesias como Lameirão, Vassal, Rio Bom, Alto de Penalva, Argemil, Argeriz, Possacos, Fornos do Pinhal, Vilarandelo, com um mapa na mão e a tentar perceber o porquê das comunicações não funcionarem. O telemóvel ficou sem bateria e mesmo que a tivesse de nada valia, pois não há rede que penetre a limpidez daquelas paisagens. Olho ao longe e vejo as nuvens que parecem pousadas sobre um vidro, invisível, com os seus cumes majestosos. Venta e eu sorrio, levo o vidro do carro aberto, passa um tractor por mim, com um cavalo amarrado, o som do motor com o trotar do cavalo cria uma música que não me canso de ouvir.
As faces parecem muito mais límpidas e sãs e só me apercebo o quanto gosto delas quando retorno ao Porto e percorro, de autocarro, as ruas desta cidade que adoro. As conversas, os olhares, os gestos, as pessoas parecem envolvidas por uma neblina cinzenta, sem vida ou brilho e isto causa-me mais impacto porque ainda trago comigo os sorrisos das pessoas do interior.
Lá em cima, até o Sol parece brindar a paisagem com algumas pinceladas de génio. Vejo a forma como o Sol ilumina alguns pormenores de casas abandonadas, mas apercebendo-me que poderia estar melhor, saio do carro e com cuidado, para não me queimar, mudo um pouco o Sol da posição em que se encontrava, et voilá, o toque que faltava! Entro novamente no carro e continuo na estrada. Por vezes imagino-me gigante, só assim conseguiria preencher e saciar esta vontade de estar em vários locais ao mesmo tempo. Olho para uma montanha e vejo-a mexer, começar a erguer-se como se fosse um gigante adormecido. Começo a caminhar, com cuidado para não pisar as casas, ajoelho-me para ver se a água de um rio está frio e sorvo alguma. Vejo uma ou outra pessoa cansada, com calor, num campo árido e erguendo o braço arrasto uma nuvem que passava, para dar um pouco de sombra àquela criatura. Quando cansado deito-me junto de outros gigantes e adormeço, para acordar de seguida com as cócegas que os pinheiros me fazem no nariz e se acordo e uma estrela me olha nos olhos, levanto-me com cuidado para não fazer tremer a terra e salto para lá, para outros mundos.
Hoje é 27 de Abril de 2018. Há vento. Apenas. Nem palavras. Nem silêncio. Nem chuva. Nem eu.
Comentários