Clar(a)idade

Crónica de domingo, na Bird Magazine.

Não há na profundidade de cada um superficialidade onde possam navegar serenamente sinceridade e despojamento. 
Há, sim, à superfície um profundo naufrágio que se banha nas águas da aceite e mantida ignorância. 
Não há ameias ou margens, apenas um leito que desagua na imensidão escura que são os olhos onde procuro a humanidade. 
Nada se esconde que exista. 
E eu, cáustico, vou diluindo-me na esperança da sublimação que me evapore e me leve, etéreo, olhar nos olhos das estrelas e pedir, envergonhado, para dormir com elas

Agora, baixinho, para não acordar o crepitar da lareira, vem sem medo para aqui, para a tua beira.
Deixa respirar a vida que te descolora a teimosia de sobreviver, vai ali ao fundo, vê-te desvanecer, pelos remendos que te orgulham o mundo, vai ali, a ti. 
Sabes, as pétalas que te florem dos ombros, são os teus braços, não os deixes pendendo como marcando o compasso com que te querem relojoar, o tempo encarrega-se de cair aos teus pés, agora, tu, infinito. 
És. 
Que mais queres, tu, que vir agora, baixinho, para te encontrares contigo, sozinho?

Imagino os pequenos pontos luminosos como potenciais pirilampos no céu dos meus dias, há em cada um de vós o olhar de quem se descobre e assim se ensina, a centelha, a sôfrega ânsia de a cada momento ser mais um na soma de todos.
Espreito por entre as nuvens, a neblina que se cobre de todos os naipes do meu baralho, sou eu e o orvalho, imaginando a voz que nunca me soprou de outrem e aí, onde brilham como as estrelas, peço-vos que mas sussurrem pois daqui só posso sonhar com elas.

Clamo pela claridade de um dia só com noites, sem qualquer receio do fim a que se sujeitam os sonhadores, pois aconchego na mão contra o peito todos os bocadinhos de mim que semeio e germino quando velho me sinto, novamente, menino.

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