Livros do que somos

Crónica de domingo, na Bird Magazine.

Faço-me de conta, sentado, banco de madeira, jardim, chuva, guarda-chuva, caderno, caneta, gotejar, pássaros, árvores, livro.
Roubo à vida todos os episódios dos filmes com que me cruzo.
Mais do que um guião, as pessoas, suas expressões, sorrisos, choros, conversas e silêncio são a sua própria legenda.
Eu (coitadito, diz a cigarra), apenas queria ser espécie de personagem, talvez por isso me encontre enfiado no meio de páginas amarelecidas de livros antigos, saído, talvez fugido, de histórias onde moram pessoas, gentes embebidas em fumo e que me acompanham onde quer que a imaginação me queira levar.
Cada narrativa uma vida, provavelmente por isso não me saiam dos dedos histórias, apenas palavras solitárias, casulos de uns quaisquer sentimentos que, acredito, raiam o toque que se quer do amor, Amor.
O Inverno acabou de sair , mas ainda me traz no frio o refúgio escrito na lombada do livro que me olha.
Que pena não me sobejar ambição quanta me brota em desejo de ser apenas o corpo onde repousa uma mão.
Amanhã nascerá dia, luta uns dirão, o corropio de correr atrás de uma falsidade e descansar, talvez cair, quando já o Sol se cansou de esperar por nós e ordena à Lua que nos venha deitar os olhos enquanto descansa.
Mais umas quantas palavras e tenho já o meu abrigo completo.
O vento passa já ao largo, assobiando nas esquinas daquilo que não encontra, um pouco mais e até a chuva se limita a deixar pingar o som das águas no telhado.
Poucas letras mais.
Faço a última fiada com aquilo que sonharei, sobrará espaço para o fumo sair e o lume, esse, que aquece, apenas crepitará já quando de olhos fechados, e talvez molhados, um dos personagens que me vestem de humanidade trouxer um braçado de sonhos em forma de lenha e perguntar:
- Consegues ouvir o quadro com as paisagens que te chamam?
Mas eu sou surdo também, mudo, mudo de sentido e de posição, porque o tempo não se intimida (nem eu).
O bater do relógio sabe forjar o tempo sem fogo.
É trôpego o nascer do dia, sem cansaço que o adormeça, diverte-se a pintar, minuto a minuto, cor a cor, o horizonte.
O que te chama, entre molduras, da chama ao café, do monte ao livro?

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