Tempos

in Bird Magazine.

Aquele adensar de cinzento leva-a a meter os imaginários, mas não menos reais, braços para abrir caminho, como quem se separa da multidão e abre espaços para passar, muitas das vezes sem saber para onde, o que é já o melhor dos motivos. 
O céu escurece, as nuvens querem-nos vedar o acesso às estrelas e a lua rompe por segundos o cerco, para olhar para mim muito séria, talvez, como eu, desconhecendo o que se está a passar. Pisca-me o olho, metaforicamente claro, e desaparece lentamente. Primeiro ainda acompanhei a luminosidade, depois vi-a diluir-se nas nuvens, como um sonho que tentamos recordar de manhã ao acordar e o mesmo se vai escondendo para dentro de nós próprios. 

Tenho os sonhos a espreitarem, timidamente, por entre as palhas do ninho. Que céus voar se o ar respirado esvoaça dentro de nós e nos expira de encontro ao mundo? Alguém se aperceberá da prisão com que nos cercam diariamente? Dão-nos o colorido papel de embrulho com o qual nos envolvemos, felizes por ter aquilo que disseram que queríamos, dizem-nos para dizer que assim se diz, assim se embrulha. Vai e ensina, sê um bom produto. Não tardará até nos darem o laço, a bruxuleante fita que ornamentará o pacote fechado onde dizem que te podes exprimir desde que digas o que te disseram para dizer. Um dia quererás chegar ao céu e conseguirás faze-lo, sem te aperceberes que tocas a tampa do teu invólucro e morrerás feliz, com f pequenininho, porque atingiste aquilo que te disseram que é suposto atingir. 
Atingirás algum dia quem és?

A noite está bem instalada, um cão ladra, ninguém responde. 
Acabará por cansar-se e, volta e meia depois, deitar-se-à e vai adormecer, entrando no sonho sem pedir licença e usufruindo da lua que o nevoeiro me roubou. 
Só por hoje, ouço, e embora sinta e saiba que muitas outras noites se seguirão, há algo nesta noite que me diz que a lua está à minha espera nos céus por onde voo quando acordo do lado de lá da minha vida.
Sabes quando desligo a luz e ao som da tímida chuva imagino o grosso cobertor de tiras, a camisola de lã, o resto das brasas a adormecerem, sombras invisíveis no prolongamento da noite pelas paredes. 
Arfas ao meu ouvido enquanto descansas a cabeça no meu ombro, farto de vagabundear em mundo sem árvores nem Outono. 
Desiludido, dizes-te cansado. 
Pergunto-te, porque corres tu tempo?

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