Nasceu a constelação
Crónica na Bird Magazine (08/01/2017).
Não havia muito por onde estar, estendia-se o olhar pelo horizonte e onde alcançássemos com a vista era onde poderíamos estar, por isso o que se via era o que existia.
Ainda que se constasse que se sonhava, tal poderia ser apenas possível em jeitos de profecia, de vozes inacabadas que o tempo ia empurrando para a frente, de gerações em gerações.
O silêncio abalava-se apenas e só quando um badalo, que pendia nos muitos pescoços das pequenas nuvens que pastavam, mais pelo arrepio de frio ou por um ajuste necessário ao melhor conforto do corpo que pelo movimento. De noite todos dormem. Melhor assim, no silêncio, onde o desnível colorido entre o negrume noturno e a paisagem árida tornam possível olhar o céu na complacência ao alcance de quem, pastor, se deixa ver nas tremeluzentes estrelas que não se sabe ainda serem moradas celestes, apenas gigantes desenhos separados por um pequeno gesto de unir pontos, indicador em riste, até a imaginação deixar desenhar nos lábios um sorriso no exacto instante em que a noite nos pega no braço e o acomoda sobre o nosso peito.
Já o teriam avisado, os mais velhos, que no árido terreno onde até as cabras se queixam, balindo, de tão inóspito horizonte, sonhar tinha o caro preço de deixar fugir a sobriedade para terras de onde dificilmente voltariam, mas a juventude, sempre surda a vozes mais experientes, transforma todo e qualquer deserto em local fértil de miragens. Por isso, quando de repente, ainda de noite, se levanta sobressaltado e sobressaltando os demais alertando para o que uma voz lhe tinha dito, pouco crédito lhe atribuíram, deixando-o apenas com as faces que se voltaram para o outro lado da fogueira e os impropérios de quem já não se sonha.
Levantou-se, cheirou um pouco da geada que caía sobre os penedos já frios e foi, acompanhado pelas fiéis pastoreantes que pareciam saber já da nova, caminhando pé ante casco, até aquele andar se transformar numa espécie de claquear, um ondular ritmado das grandes teias de ferro que percorreriam um dia as planícies, assim o diriam outros que não daquelas paragens, guardiões serenos de outras miragens.
Chegaram. Os animais, sem permissão, entraram, rodearam e aconchegaram-se aos que já lá estavam numa reverência selvagem a quem das profecias em homem se saiu da miragem. Olhou-os nos olhos, baixou a cabeça, deu dois passos encostando o bordão ao cancelo, a natividade eram ainda os três, o pai entre assustado e defensor, a mãe ainda cansada, serena e o terceiro, nas palhas deitado, sossegava da descida ao mundo irreal, aquecido pelo bafejar dos animais, pelo abanar da manjedoura manca que mostrava ainda restos secos de comida animal.
Colocou-lhe a mão na fronte, afagou o curto cabelo, passou levemente e com cuidado o dedo na fronte trémula e amena.
Ao mesmo tempo que pousava os lábios nas mãos do bebé, aquele novo pastor velho, o tal que diziam nem ter todas as luas, a seguir a uma lágrima que lhe nasceu dos olhos fechados, sussurrou: Tinha tantas saudades tuas.
Não havia muito por onde estar, estendia-se o olhar pelo horizonte e onde alcançássemos com a vista era onde poderíamos estar, por isso o que se via era o que existia.
Ainda que se constasse que se sonhava, tal poderia ser apenas possível em jeitos de profecia, de vozes inacabadas que o tempo ia empurrando para a frente, de gerações em gerações.
O silêncio abalava-se apenas e só quando um badalo, que pendia nos muitos pescoços das pequenas nuvens que pastavam, mais pelo arrepio de frio ou por um ajuste necessário ao melhor conforto do corpo que pelo movimento. De noite todos dormem. Melhor assim, no silêncio, onde o desnível colorido entre o negrume noturno e a paisagem árida tornam possível olhar o céu na complacência ao alcance de quem, pastor, se deixa ver nas tremeluzentes estrelas que não se sabe ainda serem moradas celestes, apenas gigantes desenhos separados por um pequeno gesto de unir pontos, indicador em riste, até a imaginação deixar desenhar nos lábios um sorriso no exacto instante em que a noite nos pega no braço e o acomoda sobre o nosso peito.
Já o teriam avisado, os mais velhos, que no árido terreno onde até as cabras se queixam, balindo, de tão inóspito horizonte, sonhar tinha o caro preço de deixar fugir a sobriedade para terras de onde dificilmente voltariam, mas a juventude, sempre surda a vozes mais experientes, transforma todo e qualquer deserto em local fértil de miragens. Por isso, quando de repente, ainda de noite, se levanta sobressaltado e sobressaltando os demais alertando para o que uma voz lhe tinha dito, pouco crédito lhe atribuíram, deixando-o apenas com as faces que se voltaram para o outro lado da fogueira e os impropérios de quem já não se sonha.
Levantou-se, cheirou um pouco da geada que caía sobre os penedos já frios e foi, acompanhado pelas fiéis pastoreantes que pareciam saber já da nova, caminhando pé ante casco, até aquele andar se transformar numa espécie de claquear, um ondular ritmado das grandes teias de ferro que percorreriam um dia as planícies, assim o diriam outros que não daquelas paragens, guardiões serenos de outras miragens.
Chegaram. Os animais, sem permissão, entraram, rodearam e aconchegaram-se aos que já lá estavam numa reverência selvagem a quem das profecias em homem se saiu da miragem. Olhou-os nos olhos, baixou a cabeça, deu dois passos encostando o bordão ao cancelo, a natividade eram ainda os três, o pai entre assustado e defensor, a mãe ainda cansada, serena e o terceiro, nas palhas deitado, sossegava da descida ao mundo irreal, aquecido pelo bafejar dos animais, pelo abanar da manjedoura manca que mostrava ainda restos secos de comida animal.
Colocou-lhe a mão na fronte, afagou o curto cabelo, passou levemente e com cuidado o dedo na fronte trémula e amena.
Ao mesmo tempo que pousava os lábios nas mãos do bebé, aquele novo pastor velho, o tal que diziam nem ter todas as luas, a seguir a uma lágrima que lhe nasceu dos olhos fechados, sussurrou: Tinha tantas saudades tuas.
Comentários