Dualidade no sabor inodoro
Crónica de Domingo, na Bird Magazine.
Há um puto que entra no supermercado, mete a mão ao bolso, tira-a fechada e abre-a com a esperança de multiplicar, mas apenas conta o que tinha, moedas de comprar pouca coisa e segue para a prateleira dos chocolates, o entretenimento que adoça a alma ao preço mais acessível.
Quatro, eles são cinco, mas ele traz quatro pequenas barras de um chocolate espanhol, barato, que o que sobra terá que dar para a viagem de comboio.
Parou.
Voltou à prateleira dos chocolates e comprou outro.
São agora cinco chocolates para cinco pessoas, ele inclusive, que voltará para casa a pé, gasto que foi o dinheiro no chocolate.
Chegará a casa e guardará os cinco chocolates no frigorífico, por baixo das couves e cenouras, para que não veja, para que seja surpresa e, depois, quando a barriga aconchegada pela sopa quente não estiver à espera, ele vai ao frigorífico e apresenta cinco pequenos chocolates, com os olhos brilhantes, feliz.
Todos comem o chocolate, devagar, para que se saboreie, sabem que não é sempre assim, são mais os amargos dias pesados que as doces leves carícias de quem nada tem.
De quem tudo sorve.
Até a vida.
Há pessoas cuja vida é deixar viver os sonhos, mesmo de quem não sabe que sonha.
E há sonhos cuja realidade é deixar viver as pessoas, mesmo de quem não se sabe pessoa.
Encontro ainda algumas paisagens móveis que me levam aos limites do maravilhoso.
No caminho de paralelos uma senhora idosa, de preto, que há lutos que são para uma vida inteira, caminha com dificuldade acompanha por uma bengala.
Vi-a subir a custo a última parte do caminho e a subir um pequeno degrau.
Recebe-a uma calçada portuguesa, com dizeres a negro basalto, uma data e uma placa de agradecimento ao povo que ajudou.
Num invólucro à prova de mãos sôfregas de milagres, uma figura é adorada por três crianças humildes.
E esta senhora, encosta a bengala à perna esquerda, ergue as mãos e começa a benzer-se, "pelo sinal da santa cruz..." é murmurado quase inaudivelmente, deduzo que seja esta a oração, pois a coreografia assim corresponde e as coisas da religião não devem ter mudado muito desde que saí da catequese.
E assim, quieta, com o ainda silêncio das aldeias, uma senhora reza, murmura em pequenas frases decoradas, comove-se.
E eu, que não sei rezar como mandam as leis, comovo-me também com a humildade das pessoas, com a necessidade suprema da gente simples que endossa a Deus um cheque demasiado grande.
Há um puto que entra no supermercado, mete a mão ao bolso, tira-a fechada e abre-a com a esperança de multiplicar, mas apenas conta o que tinha, moedas de comprar pouca coisa e segue para a prateleira dos chocolates, o entretenimento que adoça a alma ao preço mais acessível.
Quatro, eles são cinco, mas ele traz quatro pequenas barras de um chocolate espanhol, barato, que o que sobra terá que dar para a viagem de comboio.
Parou.
Voltou à prateleira dos chocolates e comprou outro.
São agora cinco chocolates para cinco pessoas, ele inclusive, que voltará para casa a pé, gasto que foi o dinheiro no chocolate.
Chegará a casa e guardará os cinco chocolates no frigorífico, por baixo das couves e cenouras, para que não veja, para que seja surpresa e, depois, quando a barriga aconchegada pela sopa quente não estiver à espera, ele vai ao frigorífico e apresenta cinco pequenos chocolates, com os olhos brilhantes, feliz.
Todos comem o chocolate, devagar, para que se saboreie, sabem que não é sempre assim, são mais os amargos dias pesados que as doces leves carícias de quem nada tem.
De quem tudo sorve.
Até a vida.
Há pessoas cuja vida é deixar viver os sonhos, mesmo de quem não sabe que sonha.
E há sonhos cuja realidade é deixar viver as pessoas, mesmo de quem não se sabe pessoa.
Encontro ainda algumas paisagens móveis que me levam aos limites do maravilhoso.
No caminho de paralelos uma senhora idosa, de preto, que há lutos que são para uma vida inteira, caminha com dificuldade acompanha por uma bengala.
Vi-a subir a custo a última parte do caminho e a subir um pequeno degrau.
Recebe-a uma calçada portuguesa, com dizeres a negro basalto, uma data e uma placa de agradecimento ao povo que ajudou.
Num invólucro à prova de mãos sôfregas de milagres, uma figura é adorada por três crianças humildes.
E esta senhora, encosta a bengala à perna esquerda, ergue as mãos e começa a benzer-se, "pelo sinal da santa cruz..." é murmurado quase inaudivelmente, deduzo que seja esta a oração, pois a coreografia assim corresponde e as coisas da religião não devem ter mudado muito desde que saí da catequese.
E assim, quieta, com o ainda silêncio das aldeias, uma senhora reza, murmura em pequenas frases decoradas, comove-se.
E eu, que não sei rezar como mandam as leis, comovo-me também com a humildade das pessoas, com a necessidade suprema da gente simples que endossa a Deus um cheque demasiado grande.
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