Ali anças
Crónica de domingo na Bird Magazine.
Entro na sala.
Ao olhar destreinado tudo parece normal, sorrisos e acenos, beijos em faces frias com odores femininos, palmadas másculas nas costas e o tradicional eco de “o que se quer é saúde”.
O silêncio está ali, encostado a um canto da sala, pouco acima da minha cabeça, olha assustado para o som que se solta das pernas das cadeiras quando estas são arrastadas pelo chão e movimenta-se rapidamente desviando-se do ruído que é, por vezes, lançado quando ele parece já acostumado e adormecido.
Bate célere a música, sons que são a sanidade da saudade. Uma vez, não muito longe, a lua riu-se de mim porque a confundi com um sonho distante o suficiente para se alcançar apenas em bicos de pés!
Bate célere, repito, a música e eu, descompassado, valso por um salão vazio, entre trastos gastos por dedos que tocaram música e, acredito, também o céu.
Há um sentimento de urgência, de urgente, de emergente, de gente, gente que procura e eu encontro, aqui, no silêncio da sala musicada. Falta-me, criatividade, ou me sobeje, saber-se-á escrever sobejamente, que não sei saiba eu inventar miando, tenho todos os destinos na mão, onde me deitarei hoje, para onde me erguer quando sonhar?
Por momentos passa a meu lado uma estrada qualquer, qualquer não, uma estrada que poderá ser de qualquer local, mas a estrada não é qualquer, é minha, espera-me, com as suas sombras e manchas, com pés calçados e outros que se sentam, no marmoreado chão, com roupa, mas despidos, pousando mochilas, rindo e sorrindo, capuzes e capuccinos que se faz fria a noite, sim, é noite, e eu abro o meu caderno e vou escrevendo, até me levar então o sonho, ou a rua, perdoe-me a imprecisão se não sei ser preciso, até outro local, a um aglomerado de pessoas de todas as idades, na verdade, que seja dita, as pessoas que são pessoas não têm idade, são pessoas hoje, amanhã estrelas, que tocam instrumentos musicais, batem e sopram, dedilham e cantam, porque a vida é música (embora um ou outro me assegure que a música é que é vida) e todos se aproximam, sabe-se lá se é frio agora ou quente depois, uns sorriem e batem palmas, outros aconchegam-se ao próprio corpo ou ao corpo de alguém que se ampara, ondulam, bailam, até que a música acabe e eu me deixe seguir pela rua, sem sair daqui, para ver ao longe as vinhas que se espetam pelo rochedo fora, parindo uvas que mãos cuidadosas vão trazer ao mundo, enquanto o calor se espreme da testa em suor e a terra se apega ao corpo e à alma.
Sou de mil ruas, sem me saber viajar ou trajar, apenas calcorrear o mundo sem me trazer universo, ou verso, odes, estrofes, pautas ou gavetas onde vou guardando os registos daquilo que, lentamente, vai vendo meu corpo. Perdão, corpo meu, emprestado, com garantia de o devolver àquilo de onde veio, à terra, ao solo de forma mais directa, ou ao universo, à matéria, à energia, à implosão que todos somos, afinal, seremos todos um, que corpo meu não será então meu ou de ninguém, apenas e só, eu.
A invulgaridade do cansaço telúrico. Há terras e músicas que trazem lava a arder pelo corpo acima. Montes esculpidos mouriscamente até que, serpenteando até ao cume, surgem sobranceiros a rios, zumbidos de invisíveis garotos, ganapada para quem uma música é um adro e um púlpito uma gaiola de onde adultos grasnam patacoadas sem sentido, mas tiremos-lhe o facto de o meu corpo transladar-se de vontade de mim para o granito musgado e teremos um estilo tardio planeado há centenas de anos no futuro.
O tempo é escasso, por isso sorvo-o lentamente, sem açúcar, em manhãs frias, esperando aviar mais um dia. Por hoje está, amanhã Deus, dará.
Quando a música cessou já o silêncio tinha partido, fugiu de onde pairava sem eu o ver. Compreendo-o. Até eu, que sou mais noite que dia, dificilmente resisto a abrir a porta da sala e deixar entrar a noite, para lhe mostrar orgulhoso o quanto de estelar podem dúzia e meia de estrelas musicais fazer brilhar.
Sem me saber clave, deitado, não prostrado, cerro os olhos na esperança de ouvir novamente os olhares brilhantes de quem anda de braço dado com a música e atravessa a vida saltando pela pauta da sua própria melodia, imune a críticas.
Que criticalidade pontual poderemos ter, quando se pensa que o céu é o limite e a vida é um conjunto de sonhos a serem vividos?
O céu é o limite para quem nunca voou além de si mesmo.
A vida é um conjunto de sonhos a quem nunca adormeceu fora de si mesmo.
E eu, agora que a música cessou, ia jurar que o silêncio partiu em Si, mesmo.
Entro na sala.
Ao olhar destreinado tudo parece normal, sorrisos e acenos, beijos em faces frias com odores femininos, palmadas másculas nas costas e o tradicional eco de “o que se quer é saúde”.
O silêncio está ali, encostado a um canto da sala, pouco acima da minha cabeça, olha assustado para o som que se solta das pernas das cadeiras quando estas são arrastadas pelo chão e movimenta-se rapidamente desviando-se do ruído que é, por vezes, lançado quando ele parece já acostumado e adormecido.
Bate célere a música, sons que são a sanidade da saudade. Uma vez, não muito longe, a lua riu-se de mim porque a confundi com um sonho distante o suficiente para se alcançar apenas em bicos de pés!
Bate célere, repito, a música e eu, descompassado, valso por um salão vazio, entre trastos gastos por dedos que tocaram música e, acredito, também o céu.
Há um sentimento de urgência, de urgente, de emergente, de gente, gente que procura e eu encontro, aqui, no silêncio da sala musicada. Falta-me, criatividade, ou me sobeje, saber-se-á escrever sobejamente, que não sei saiba eu inventar miando, tenho todos os destinos na mão, onde me deitarei hoje, para onde me erguer quando sonhar?
Por momentos passa a meu lado uma estrada qualquer, qualquer não, uma estrada que poderá ser de qualquer local, mas a estrada não é qualquer, é minha, espera-me, com as suas sombras e manchas, com pés calçados e outros que se sentam, no marmoreado chão, com roupa, mas despidos, pousando mochilas, rindo e sorrindo, capuzes e capuccinos que se faz fria a noite, sim, é noite, e eu abro o meu caderno e vou escrevendo, até me levar então o sonho, ou a rua, perdoe-me a imprecisão se não sei ser preciso, até outro local, a um aglomerado de pessoas de todas as idades, na verdade, que seja dita, as pessoas que são pessoas não têm idade, são pessoas hoje, amanhã estrelas, que tocam instrumentos musicais, batem e sopram, dedilham e cantam, porque a vida é música (embora um ou outro me assegure que a música é que é vida) e todos se aproximam, sabe-se lá se é frio agora ou quente depois, uns sorriem e batem palmas, outros aconchegam-se ao próprio corpo ou ao corpo de alguém que se ampara, ondulam, bailam, até que a música acabe e eu me deixe seguir pela rua, sem sair daqui, para ver ao longe as vinhas que se espetam pelo rochedo fora, parindo uvas que mãos cuidadosas vão trazer ao mundo, enquanto o calor se espreme da testa em suor e a terra se apega ao corpo e à alma.
Sou de mil ruas, sem me saber viajar ou trajar, apenas calcorrear o mundo sem me trazer universo, ou verso, odes, estrofes, pautas ou gavetas onde vou guardando os registos daquilo que, lentamente, vai vendo meu corpo. Perdão, corpo meu, emprestado, com garantia de o devolver àquilo de onde veio, à terra, ao solo de forma mais directa, ou ao universo, à matéria, à energia, à implosão que todos somos, afinal, seremos todos um, que corpo meu não será então meu ou de ninguém, apenas e só, eu.
A invulgaridade do cansaço telúrico. Há terras e músicas que trazem lava a arder pelo corpo acima. Montes esculpidos mouriscamente até que, serpenteando até ao cume, surgem sobranceiros a rios, zumbidos de invisíveis garotos, ganapada para quem uma música é um adro e um púlpito uma gaiola de onde adultos grasnam patacoadas sem sentido, mas tiremos-lhe o facto de o meu corpo transladar-se de vontade de mim para o granito musgado e teremos um estilo tardio planeado há centenas de anos no futuro.
O tempo é escasso, por isso sorvo-o lentamente, sem açúcar, em manhãs frias, esperando aviar mais um dia. Por hoje está, amanhã Deus, dará.
Quando a música cessou já o silêncio tinha partido, fugiu de onde pairava sem eu o ver. Compreendo-o. Até eu, que sou mais noite que dia, dificilmente resisto a abrir a porta da sala e deixar entrar a noite, para lhe mostrar orgulhoso o quanto de estelar podem dúzia e meia de estrelas musicais fazer brilhar.
Sem me saber clave, deitado, não prostrado, cerro os olhos na esperança de ouvir novamente os olhares brilhantes de quem anda de braço dado com a música e atravessa a vida saltando pela pauta da sua própria melodia, imune a críticas.
Que criticalidade pontual poderemos ter, quando se pensa que o céu é o limite e a vida é um conjunto de sonhos a serem vividos?
O céu é o limite para quem nunca voou além de si mesmo.
A vida é um conjunto de sonhos a quem nunca adormeceu fora de si mesmo.
E eu, agora que a música cessou, ia jurar que o silêncio partiu em Si, mesmo.
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