Animal esco
Crónica de domingo na BirdMagazine.
Continuo a nutrir a mesma simpatia pelos cães vadios, altivos, do que quando tinha tempo para os apreciar.
Há qualquer coisa de mágico naquele olhar alheio da nossa vida, tão cheio de vida.
Vejo-os algumas vezes percorrendo as estradas molhadas, com aquela chuva fininha, que os faz franzir os olhos enquanto correm. Aliás, eles nunca correm, andam num passo apressado e tenho a certeza que é apenas para não apanharem da mesma chuva no mesmo local.
Gosto de os ver parados, debaixo de um arbusto qualquer, de uma varanda de uma casa abandonada sem lá entrarem.
Cães assim não são cães do alheio, são cães deles mesmos, quando encontram um local para dormir, sem ser em propriedade alheia, não dão mil e uma voltas no ninho, não, param, farejam e deitam-se, dormem enrolados, com o focinho encostado às patas de trás, abrindo por momentos os olhos para ver um ou outro vulto e lá se perdem, em sonhos de cão.
Quem é cão assim não sonha.
Quem saboreia a chuva como eles, quem dá o calor de um corpo que mesmo eles sabem não ser deles a um estranho, não sonha, vive.
Há algo em mim de cão vadio, de animal na irracionalidade de largar a andar pelo mundo, semicerrar os olhos quando chover e não correr.
Encontrar uma árvore, apaixonar-me por um arco-íris, tirar um puído caderno e um lápis gretado e escrever que me apaixonei pelo arco-íris e pelas nuvens e até pelos relâmpagos que ao longe me convidam a pernoitar em local seguro.
Sem grandes oportunidades de cronicar histórias semicerradas deixo-me cogitar como se vivesse apenas no presente e, de repente, há como manadas inteiras de gotas de chuva que surgem e governam sem serem eleitas.
Custa-me acreditar que a mesma intervenção divina que criou o homem, ou Homem, tenha então, depois, para embelezar o planeta e dar conforto à criação tenha criado milhares de seres e espécies para serventia e alimentação.
Embora não seja argumento, nem me puxe a brasa para a discussão, este ou outro tema, creio na convivência pacífica entre animais humanos e não humanos, onde fenómenos culturais sejam ultrapassados pelo facto de nos termos erguido acima do horizonte e, na vasta maioria, sermos portadores de consciência e, assim, conscientes, possamos perceber o quanto podemos proteger outros, crias e adultos, da mesma forma que gostaríamos que protegessem as nossas crias e da forma como entregamos a adulticidade à criação.
O caminho ombro a ombro, ou mão no acém, feito durante longo período de tempo e o amanhecer consciencial poderiam trazer uma espécie de alvorada, um acordar ou, se não tanto, pelo menos uma identidade de protecção aos menos favorecidos, humanos e não humanos, permitindo-nos dar um passo maior, de adulto, num respeito que há muito eles nos pedem.
Hoje, dia mundial do animal, ou Animal, onde me incluo, espero ver, pela chuva que cai, alguns abrigados, num buraco feito num silvado, sob um pinheiro frondoso, numa saliência sob um tufo de terra ou no ninho, quente, onde me ajoelho e te abraço ao mesmo tempo que me embalo no desce e sobe do ar que entra no teus pulmões, iguais aos meus.
A minha jornada, animalesca, é uma vida, aceite e escrita, entre vidas que vivi, caminhando sem rumo, a prumo, na certeza de sentir que além do desconhecido, está o meu olhar semicerrado, tentando encontrar-me do lado de cá.
Continuo a nutrir a mesma simpatia pelos cães vadios, altivos, do que quando tinha tempo para os apreciar.
Há qualquer coisa de mágico naquele olhar alheio da nossa vida, tão cheio de vida.
Vejo-os algumas vezes percorrendo as estradas molhadas, com aquela chuva fininha, que os faz franzir os olhos enquanto correm. Aliás, eles nunca correm, andam num passo apressado e tenho a certeza que é apenas para não apanharem da mesma chuva no mesmo local.
Gosto de os ver parados, debaixo de um arbusto qualquer, de uma varanda de uma casa abandonada sem lá entrarem.
Cães assim não são cães do alheio, são cães deles mesmos, quando encontram um local para dormir, sem ser em propriedade alheia, não dão mil e uma voltas no ninho, não, param, farejam e deitam-se, dormem enrolados, com o focinho encostado às patas de trás, abrindo por momentos os olhos para ver um ou outro vulto e lá se perdem, em sonhos de cão.
Quem é cão assim não sonha.
Quem saboreia a chuva como eles, quem dá o calor de um corpo que mesmo eles sabem não ser deles a um estranho, não sonha, vive.
Há algo em mim de cão vadio, de animal na irracionalidade de largar a andar pelo mundo, semicerrar os olhos quando chover e não correr.
Encontrar uma árvore, apaixonar-me por um arco-íris, tirar um puído caderno e um lápis gretado e escrever que me apaixonei pelo arco-íris e pelas nuvens e até pelos relâmpagos que ao longe me convidam a pernoitar em local seguro.
Sem grandes oportunidades de cronicar histórias semicerradas deixo-me cogitar como se vivesse apenas no presente e, de repente, há como manadas inteiras de gotas de chuva que surgem e governam sem serem eleitas.
Custa-me acreditar que a mesma intervenção divina que criou o homem, ou Homem, tenha então, depois, para embelezar o planeta e dar conforto à criação tenha criado milhares de seres e espécies para serventia e alimentação.
Embora não seja argumento, nem me puxe a brasa para a discussão, este ou outro tema, creio na convivência pacífica entre animais humanos e não humanos, onde fenómenos culturais sejam ultrapassados pelo facto de nos termos erguido acima do horizonte e, na vasta maioria, sermos portadores de consciência e, assim, conscientes, possamos perceber o quanto podemos proteger outros, crias e adultos, da mesma forma que gostaríamos que protegessem as nossas crias e da forma como entregamos a adulticidade à criação.
O caminho ombro a ombro, ou mão no acém, feito durante longo período de tempo e o amanhecer consciencial poderiam trazer uma espécie de alvorada, um acordar ou, se não tanto, pelo menos uma identidade de protecção aos menos favorecidos, humanos e não humanos, permitindo-nos dar um passo maior, de adulto, num respeito que há muito eles nos pedem.
Hoje, dia mundial do animal, ou Animal, onde me incluo, espero ver, pela chuva que cai, alguns abrigados, num buraco feito num silvado, sob um pinheiro frondoso, numa saliência sob um tufo de terra ou no ninho, quente, onde me ajoelho e te abraço ao mesmo tempo que me embalo no desce e sobe do ar que entra no teus pulmões, iguais aos meus.
A minha jornada, animalesca, é uma vida, aceite e escrita, entre vidas que vivi, caminhando sem rumo, a prumo, na certeza de sentir que além do desconhecido, está o meu olhar semicerrado, tentando encontrar-me do lado de cá.
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