Onde quer que vá

Crónica de domingo na Bird Magazine.

Encontro-me, invariavelmente, de regresso a mim mesmo a meio caminho de me descobrir ao encontro de uma parede, preso por palavras, acorrentado a frases que se pronunciam a cada silêncio que me bate no para-brisas em forma de gotícula, ainda não húmida, porque a textura da água caberá a mim grafiar, gota a gota, aguaceiro a aguaceiro. 
Pouco me interessa a companhia do tempo. 
Ele, tempo, aborrecido, senta-se a meu lado enquanto o conduzo pela minha vida fora, fora e dentro. 
Há pouco que lhe diga. 
Um olá, talvez, a cada madrugada em que ele me acorda para eu o poder ver na matematicalidade do relógio digital. 
São 1:23, 2:34, 5:55, 6:54. Não achas engraçado? 
Sim, acho, respondo-lhe, agora deixa-me dormir novamente. 
E ele encosta-se às paredes, desaparece atrás da sombra do móvel, que é lugar de tempo, para somente acordar quando me decidir levantar como quem opta por virar em qualquer direcção que não a assinalada numa encruzilhada dessas com que nos escrevem ou compreendem, em forma de sorriso não verdadeiro. 
Conto Primaveras, embora não mas digam que as há, acredito nelas. 
Vá-se lá saber porquê, para não ferir susceptibilidades teosóficas, acredito também noutras estações e noutras formas de ver o mundo que não por detrás das minhas lentes gastas e moldadas. 
Filosoficamente, tudo se assemelha a pop stars com figuras saídas de um imaginário pensado e idealizado sarcasticamente numa sala, com cotovelos numa mesa redonda, onde se decide a quem dar o pão, a quem dar o circo. 
Taciturnamente está Sol. 
Sempre esteve. 
Hoje simplesmente não tem nuvens que o permitam deixar de se preocupar em fornecedor iões suficientes para nos aquecerem, iluminarem o caminho. 
Há algum tempo (saiu agora de trás da sombra do móvel) que ele se pergunta porque queremos a luz, a claridade, se a maioria, isto sabe-o ele bem, continua a sonhar pela noite, envolto em escuridões que saem de trás de cada dia que perderam a trabalhar na sombra dos sonhos de outros. 
O timbre grave de um saxofone abalou a estrada enquanto esta me dirigia, o volante sacode-se enjoado de andar em círculos e um relâmpago cai-me na visão, para que me veja no espelho, de repente, enquanto lá ao fundo cavalgaram imagens de projectos futuros que deixei no passado. 
Nunca me pareceu haver pasto suficiente para literalidades, principalmente quando estas se deixam arrebatar pelo que possa surgir por detrás de uma esquina dobrada pelo tempo (este, não, este não é o meu). 
Pergunto frequentemente qual a frequência que devo sintonizar. 
Não me respondem. 
As audiências de outrem ditam o que devemos ouvir, não pelo acto de escutar, mas apenas para ser mais um reverberante sem tripé, sem auscultantes que nos apoiem no acto de fazer bater o coração ao ritmo distante da música que não nos permitimos ver. 
Já não tenho gotas, texturei-as todas, apenas sucumbo porque fiquei sem combustível nesta viagem de regresso a ti, embora continue a acreditar, a debitar, a crer querer que lá no ocaso onde repousas pensas que eu, apesar da matematicalidade, da migueleidade, da incoerência sonhadora de não me ver a ver o que penso ter visto como verdadeiro, pensas que eu, novamente, seja apenas um pobre e orgulhoso inocente tolo, a quem as palavras prendem com silêncio, porque é nele que consigo dizer algo que não valha a pena, sobre pena de me apalavrar com o destino e este continuar a dizer-me, baixinho, onde andas tu, agora, filho?

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