Deixei que a chuva caísse em quantidade suficiente para me levar os rastos que deixei até chegar aqui. Agora, para trás, num passado que não existe, já não existo. Nada existe. Acumulo em mim tudo aquilo que penso ter havido, no corpo, na mente, na alma. Amanhã, que ainda não há, nem sequer o segundo seguinte, terei um pouco mais de mim, de ti, de quem me vê pregar em silêncio longos sermões ao vento que passa, só para me sentir, novamente. Ontem não existe, não existiu. Hei.
Pessach
“Pessach” Crónica do Nada , no Correio do Porto . O puto abana-se uno com a sineta que trina, o braço cansado pende como um ramo seco de árvore que sonha ser galho, anunciando vem aí o compasso!, a opa alva dança e as nuvens riem-se quando o vento lhe atira o resto da brancura pelas costas acima, embrulhando-se na cabeça. Não se demove, continua a badalar num esforço contínuo apenas vencido pela zelosa missão de, além de adolescente, ver chegar ao fim a madrugada procissão, solitária, a cruz acima e abaixo de caminhos, os verdes ao chão, as flores na mão, de cara fechada, uma madeixa dourada rivaliza com o sino zonzo já de tanta sacudidela firme. O vento desiste soturnamente, as nuvens deixam de joeirar a cena e dispersam num certo tom de desprezo, a opa solta-se e cai harmoniosamente sobre as costas arqueadas, mas não sucumbidas, tudo sem que o sino deixasse de tocar. A solenidade foi-se perdendo, sobra agora uma espécie de desejo que tudo termine e possa seguir viagem, arrancar um...
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