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A mostrar mensagens de maio, 2014
Aguardo a alvorada de um amanhecer sem claridade, deixar acordada a noite sem esmaecer madrugada adentro, aguardo na certeza de envelhecer sem idade e ombrear com o destino como quem enfrenta o vento, aguardo a visibilidade da invisível mão que guia as palavras, do inefável suspiro que me acorda pela manhã ainda antes de clarear as letras, alvas, e a dualidade de um existir que não há, anseio passivamente enquanto corro pelo destino eu, adulto menino, entregue ao ilegal sistema de uma só lei, porque de mim, eu não hei.
Além do que me rio só, mar, a equação incógnita da irredutível fracção à dízima finita, que geometria se baseia no expoente? Terão as palavras um determinado sorriso que mesmo gelado se sente? Fisso-me ao infinito, o leito onde adormeço paulatinamente o cansaço desdobra-se em solfejos de um só grito, não sou ouro, não sou aço, arco ainda as passagens dos carreiros e dos versos... que não faço.

Deixa-te

Se puderes, ainda que por breves momentos, deixa-te levar pelo tempo até sentires confiança para te deixares de ser observador e passares a ser voador, do tempo a ti, de ti ao tempo, até não sobrar tempo, até não existires tu.

Le(ve)mente

Vou escrever baixinho, pincelar cada letra, escolher alvura para alvorecer de olhos inexperientes o dia madrugado por quem do tempo não se rege ou tempera. Vou caminhar lentamente, descalço sobre a erva, calibrar o batimento do meu coração com o pulsar da Terra e inspirar ar puro até transpirar tudo o que sou e não consigo ser. Vou, rumo à noite estrelada, ao arco voltaico entre sete centelhas que se colaram no céu, no meu. Vou, ainda que deambule, perdido apenas aquele que pensa comandar os passos e que por eles gira o planeta. Vou, sem distância, estou entre a ânsia e a porta ainda por acabar que deixo aberta. Só em mim, a ausência que me liberta.

En(X)ada

Deixo no chão a enxada, despreocupado. As mãos sujas, mas polidas, antevêm um início de fim de tarde onde espreito pelo postigo que fiz no peito e vejo, saboreando de olhos fechados o último calor da vida, o Sol preso num firmamento ao qual chamo casa, é quase dia e quase noite, cedo para acender a lareira, tarde para laborar, que há-de um homem, mesmo que crescido, fazer além de lacrimejar? Um dia subirei ao largo de uma vida, crescendo cedo o fim do medo, a bainha de um tecido bordado pela rebeldia. Mas enquanto a obediência se revela fugaz, que cresça no homem vontade de ser rapaz e lhe sobre de grãos no quinteiro aquilo que lhe dizem faltar nas mãos, dinheiro. Vem lesta a Primavera, sem arrabaldes de calor, apenas o rápido e imprevisível voo da andorinha no meu olhar e nos céus que com elas também se fazem meus. As horas aglomeram-se à cabeceira e eu, em vão, tentando fazer com uma enxada a linha da minha vida numa só leira.