Fogo de papel

Não, não é pela longura de dias que meço tempos. O tempo é que se deixa atravessar por horas, minutos e segundos consoante a intensidade que nos quer impor à memória. A minha, memória, perde-se sempre no último segundo que é meu mais próximo passado. Esta incerteza, no futuro, encontro-a na própria palavra, que é um fôlego que não sabemos se iremos dar ou receber. Prende-se por vezes o presente tapando os olhos e segurando uma lágrima, o último esforço de se prolongar o passado em mais do que um segundo. O que escrevi é passado, prescreveu, não existe mais, se perguntarem por quem escreveu tamanha insensatez, eu mesmo responderei foi aquele ali que era eu na meia esquina, com ar de quem se deixa perder, sim, bem sei que não o consegue ver. Esse está agora aqui, calado, enfeitiçado pelo tempo e zelando o último segundo para que o presente seja de facto um ate já.
Há-de haver o nada onde caberá toda a minha falta de espaço e uma eternidade para que os segundos repousem em paz, numa eterna não temporalidade.
Até lá, no seio dos que foram e ainda o são em mim, vejo a distância mais próxima e a própria realidade dissipar-se e alojar-se na grande alma que somos sem o sabermos. Nascerá daí o termo almejar? Querer ser alma?
Triste é o viver nos últimos minutos, dias, anos e até vidas, sem realizar que para nos sabermos ser Ser, basta olhar a vida, passar o braço sobre ombros dela mesma e dizer-lhe: isto não acaba aqui. Desvido-te e dou-te os meus últimos segundos, já não precisaremos deles, sabem-no quando ainda nem me ouviram dizer: Ate já.

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