Não chove, o mesmo não implica que não caia algo do céu. Estranho ninguém ouvir este ribombar de luz que ofusca e me deixa encharcado de saudade por um longo e fino curso de água, por entre nuvens e névoas, por entre o espaço vazio que ladeia os corpos de quem não se sustenta pela vida. Curioso como os dias se sucedem um após o outro e, no entanto, sinto-o como o mesmo, adormecer e acordar na manhã do mesmo dia, onde apenas a louca vontade do destino, sempre esse desgarrado filho de ninguém, faz mover números do relógio e do calendário, pinta e traça cabelos brancos e rugas negras de quem pensa viver os dias que não passam nem existem. Gostava de saber quem chama à minha porta, sem saber que por detrás dela existe uma outra porta, virada para a rua. E eu, vou sendo fotografia sem legenda, amassado pelo tempo e condimentado pelos dias, até um dia me transformar em pão e assim ascender, em formato de aroma, que é como quem diz ser odor que não se cheira, ser margem sem leito, ser caminho sem trilho, apenas me ver de mim mesmo filho.
Guardo o olhar que choveste, deixo as nuvens florirem nos pastos faustos do destino, tacteio mãos e escuridões em busca de um dorso com outras mãos. Curvam-se as curvas da estrada e as margens que me separam da madrugada. Empobrece-me o nada à sombra e resguardo da minha alçada, no noctívago sentimento de aguardar, à candeia ténue da Lua, o suspiro inaudível da vida no meu peito a ancorar...
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