E correram, com medo de morrerem, sem perceberem que estavam mortos, condenados desde cedo, por uns longos fios de quem os manietava, sorvendo como quem respira a necessidade que lhe faziam necessitar, corroendo almas e dias com a vida dos outros, olhando e não vendo, agarrando-se à sombra de um sistema que nunca se preocupou em educar, fazer crescer, ensinando a viver apenas por viver, apenas para ser. Por isso, quando chegou o fim, era apenas o esforço de outros, que devagar abriam a porta do contentor sujo e conspurcado e deixavam entrar a luz do dia, descolando das paredes frágeis paisagens que pensavam serem janelas, e recolhiam do chão as assustadas, selvagens, malévolas, frígidas e frágeis crias que somos.
Pessach
“Pessach” Crónica do Nada , no Correio do Porto . O puto abana-se uno com a sineta que trina, o braço cansado pende como um ramo seco de árvore que sonha ser galho, anunciando vem aí o compasso!, a opa alva dança e as nuvens riem-se quando o vento lhe atira o resto da brancura pelas costas acima, embrulhando-se na cabeça. Não se demove, continua a badalar num esforço contínuo apenas vencido pela zelosa missão de, além de adolescente, ver chegar ao fim a madrugada procissão, solitária, a cruz acima e abaixo de caminhos, os verdes ao chão, as flores na mão, de cara fechada, uma madeixa dourada rivaliza com o sino zonzo já de tanta sacudidela firme. O vento desiste soturnamente, as nuvens deixam de joeirar a cena e dispersam num certo tom de desprezo, a opa solta-se e cai harmoniosamente sobre as costas arqueadas, mas não sucumbidas, tudo sem que o sino deixasse de tocar. A solenidade foi-se perdendo, sobra agora uma espécie de desejo que tudo termine e possa seguir viagem, arrancar um...
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