Andas de poesia, enquanto outros caminham pela chuva, sem se lembrarem da placidez que a memória, adormecida pelo tempo, traz de cada vez que este globo se acerca da órbita de um só homem. A vida foi-se, perdida, pelas promessas revolucionárias ou, simplesmente, pelas revoluções prometidas. Subjugam-se eternamente, na crença que um estado, um governo, um grupo de pessoas reunidas em torno de algo, possam trazer a segurança, a realização e a felicidade. Mais seguro, real e feliz é (tentar, sempre) perceber o porquê do porquê, no escuro, na luz, na sombra ou no despertar do dia, que ser-se apenas o que É é o suficiente, por muito que te espreitem a etiqueta, a extensão do currículo, o veículo ou o falar, que te arremessem a exactidão científica, a prova cega e cabal, o juro e a acção, não a boa, a bancária, sem ser ou não ser, pelo medo e pela fé. Andas de poesia. Não, não andas, voas.
Pessach
“Pessach” Crónica do Nada , no Correio do Porto . O puto abana-se uno com a sineta que trina, o braço cansado pende como um ramo seco de árvore que sonha ser galho, anunciando vem aí o compasso!, a opa alva dança e as nuvens riem-se quando o vento lhe atira o resto da brancura pelas costas acima, embrulhando-se na cabeça. Não se demove, continua a badalar num esforço contínuo apenas vencido pela zelosa missão de, além de adolescente, ver chegar ao fim a madrugada procissão, solitária, a cruz acima e abaixo de caminhos, os verdes ao chão, as flores na mão, de cara fechada, uma madeixa dourada rivaliza com o sino zonzo já de tanta sacudidela firme. O vento desiste soturnamente, as nuvens deixam de joeirar a cena e dispersam num certo tom de desprezo, a opa solta-se e cai harmoniosamente sobre as costas arqueadas, mas não sucumbidas, tudo sem que o sino deixasse de tocar. A solenidade foi-se perdendo, sobra agora uma espécie de desejo que tudo termine e possa seguir viagem, arrancar um...
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