Lentamente, sem que te apercebas, colocam-te a corda, laça, vão puxando, cada vez mais, sempre devagar, para que não fujas, lentamente, até começar, gradualmente, a tirar-te a respiração, mas tu habituas-te, respiras menos, devagar, até novo puxão, menos ar, mais sangue e, um dia, quando pensares que não podes respirar menos e mais devagar, eles aproximar-se-ão de ti, com um sorriso acima do seu pescoço engravatado numa boca conspurcada, e quando pensas que te vão abraçar eles, simplesmente, do alto do seu sorriso sarcástico, chutam o banco que tens debaixo dos pés e morres, enforcado, para que eles possam tirar a corda, lavar e usar novamente noutros, daqui a anos ou séculos, que o tempo pouco passa para os déspotas.
Pessach
“Pessach” Crónica do Nada , no Correio do Porto . O puto abana-se uno com a sineta que trina, o braço cansado pende como um ramo seco de árvore que sonha ser galho, anunciando vem aí o compasso!, a opa alva dança e as nuvens riem-se quando o vento lhe atira o resto da brancura pelas costas acima, embrulhando-se na cabeça. Não se demove, continua a badalar num esforço contínuo apenas vencido pela zelosa missão de, além de adolescente, ver chegar ao fim a madrugada procissão, solitária, a cruz acima e abaixo de caminhos, os verdes ao chão, as flores na mão, de cara fechada, uma madeixa dourada rivaliza com o sino zonzo já de tanta sacudidela firme. O vento desiste soturnamente, as nuvens deixam de joeirar a cena e dispersam num certo tom de desprezo, a opa solta-se e cai harmoniosamente sobre as costas arqueadas, mas não sucumbidas, tudo sem que o sino deixasse de tocar. A solenidade foi-se perdendo, sobra agora uma espécie de desejo que tudo termine e possa seguir viagem, arrancar um...
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